E tudo se repete

16 de Janeiro de 2012
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Há alguns anos diríamos estar a despetalar novo bloco de folhinha, mas isso parece coisa anterior a de mais de uma centúria, diante de tantas novidades trazidas pela tecnologia. A folhinha tende a desaparecer, assim como o cartão de natal, e, bem longe já ficou a consoada, caracterizada por grande variedade de doces caseiros preparados por equipes nas grandes cozinhas, ainda de terra batida, às vezes, arrematadas em tijolos requeimados. Ainda não haviam convertido o Natal e o Ano Novo em comilança e bebedeira, assim como presenteados eram tão somente as crianças pelo mítico Papai Noel, também não configurado no ridículo velhinho vestido de vermelho. Janeiro era como os demais meses, sem sobressaltos, ponteado apenas por saudade dos momentos de mais calor humano, propiciado pela reunião da família e parentela nas festas natalinas.

Depois de vários meses de apelo da indústria e do comércio em torno do consumo, mediante “facilidades” que seriam consideradas próprias da ilha da fantasia, pela maioria da população, se esta não fosse tão vulnerável às artimanhas da sedução, houve a farra do consumo no último fim de ano. Curada a ressaca dos excessos à mesa, sobra a ressaca financeira, de mais difícil cura, porque entre o que se ganha e o que se tem a pagar há grande abismo, mormente porque ao início de cada ano sobram obrigações a serem cumpridas pelo cidadão. IPTU, IPVA, despesas escolares, anuidade das entidades classistas e outras obrigações vêm para agravar a situação do consumidor afoito que, no dizer dos nossos avós, não calcula bem a proporção “entre a água e o fubá”, “dá passo maior que as pernas”, “avança sobre a lua como se ela fosse queijo”. No outro lado do balcão, a situação não é muito diferente, quando ilusão se semeia! A expectativa de receber se transforma em frustração com a inadimplência oriunda da venda ambiciosa, sem sustentação, e a compra idem, idem! Por isso, janeiro é o mês do ranger de dentes! E isso se repete a cada ano, não obstante promessas de ajustes no comportamento de consumo.

Subindo para o patamar coletivo, incluindo-se aí o poder público, a transição no calendário tem sido feita em meio a tragédias humanas decorrentes do conflito do homem com a natureza. É por ocasião das chuvas que esta última reage, por meio dos alagamentos, deslizamentos e desabamentos, às agressões de que é vítima do homem com pretensões a domá-la, mediante construções em locais inadequados, desmatamento, alterações de cursos d’água, e lançamento nestes de toda sorte de material incompatível com sua natureza de “sangue” da Terra. Fala-se em tragédias naturais ou da natureza, mas a expressão é imprópria porque tudo que ocorre na natureza é normal, é próprio dela, a ela é inerente. Na natureza não há tragédia! As tragédias são puramente humanas, em decorrência de imprudência e de pretensões à superioridade sobre a natureza! Mas o homem não aprende; continua a transgredir, uns contra a natureza e outros também contra o social, deixando de orientar, prevenir, punir e de aplicar recursos destinados às correções dos erros e assistência às vítimas. A cada transição no calendário tudo se repete, variando, às vezes, de local, porém com poucas diferenças nas manifestações e resultados danosos à pessoa humana; mas se danos há para a pessoa é porque houve transgressão e imprudência, ainda que no passado remoto, por parte de terceiros!

Em Ouro Preto, a partir do crescimento populacional observado no início dos anos sessenta, morros que circundam a cidade respondem à ocupação desordenada do solo, feita sob vistas grossas e estímulo de políticos irresponsáveis. A vida tranquila, livre de enchentes e alagamentos por ocasião das chuvas, deu lugar a apreensões voltadas à possibilidade de deslizamento de rochas e de grandes pedras, sem qualquer ação preventiva do poder público, voltado unicamente para picuinhas quanto à necessária preservação do patrimônio histórico. O cidadão, com certo exagero, está sujeito a absurdas injunções para a troca de uma telha em sua residência, enquanto a cidade, no seu todo, segue à mercê das consequências dos desafios feitos ao imponderável. O Iphan, e agora o correspondente em nível municipal não dão a mínima para a questão. Preocupam-se com os anéis e deixam que se percam os dedos e as mãos! A cidade é sede de uma das mais antigas escolas de engenharia, que inclui curso de geologia. Dessa importante presença seria natural entrelaçamento da UfOP com a PMOP e IPHAN que possibilitasse o monitoramento preventivo e contínuo, em torno do comportamento do solo, especialmente nos morros circundantes. O que se ouve e se vê, entretanto, é o choro sobre o leite derramado!

Minimizada, inicialmente, como queda de barranco nos meios de comunicação, avalanche como essa sobre o terminal rodoviário não é fenômeno imprevisível, entre especialistas no assunto. E também não é o primeiro de tais proporções no mesmo local. Há cinquenta e dois anos (1960), outra ocorreu ao lado, também à noite, diferente apenas na ausência de vítimas e por ser em período seco. Arrastou denso candeial e formou do outro lado da Rua Padre Rolim o aterro onde, hoje, se assenta posto de combustíveis. Abaixo daquela montanha, na mesma direção, a colina onde se assenta a igreja de São José desliza vagarosamente; e o fenômeno se denuncia por grande fissura no adro. Sabe-se do fato, mas se finge não saber. Outra avalanche, quando acontecer, será fatalidade!

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