Evolução e inversão

12 de Maio de 2017
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Ultrapassar a barreira dos setenta e já se aproximar dos oitenta, neste ponto da linha do tempo cósmico, tem sido muito propício a comparações entre o já visto e o que se vê, pois, ao que parece e de acordo com avaliações feitas por terceiros, a civilização humana nunca passou por tantas transformações em tão curto período em anos. Em menos de meio século houve um salto, relativamente maior que nos dois séculos imediatamente anteriores; isso numa avaliação imediata, grosseira, destituída de qualquer critério.

Entre os vivos, muito há o que contar desde o terror da Segunda Grande Guerra, as duas explosões atômicas e seus milhares de mortes imediatas, até a implantação e consolidação da internet como principal meio de comunicação de massa, passando pela corrida espacial e a chegada do Homem à lua. Em termos globais destacam-se estes numa série de fatos positivos e negativos, conquistas, avanços e inventos em todas as áreas do conhecimento humano.

Enquanto isso, as transformações em nível de indivíduo se fizeram em ritmo tão intenso, às vezes, difícil de acompanhar. Não sei bem se estou certo, mas me parece que ao indivíduo mudanças, mais importantes, em hábitos e costumes tiveram início nos anos 60. Vem-me à tela da memória a figura do alfaiate e maestro Luiz Marzano, sempre muito elegante, no vestir e no falar. À mesa do antigo Bar Brasil (José Fortes), na Rua São José, tendo à frente a cerveja (“estupidamente gelada” conforme seu pedido) compartilhada com dois amigos, de repente o alegre maestro exclamou: - quero ver como vão ser as fantasias no próximo carnaval. Ao seguir a direção apontada por seus olhos zombeteiros, pôde-se ver, a passar pela rua, um jovem a trajar camisa na cor vermelha, talvez a primeira vista em Ouro Preto. Mas, não foi só ele a comentar o fato, porque vermelho a colorir o corpo masculino, àquela época, somente no tríduo carnavalesco! A novidade incomodava! Segundo os padrões então vigentes, aos homens eram reservadas cores escuras, ou claras menos chamativas, mas nunca o vermelho. Nem se pensava ainda que outras mudanças, provavelmente a caminho, contemplariam as mulheres. Estas mandariam às favas a combinação e a anágua, antes da troca do vestido pela calça - então dita masculina - o que foi puxado pelas então mais avançadinhas. As garotas de hoje nem sabem o que teriam sido aquelas peças descartadas do guarda-roupa feminino!

Tais transformações nos hábitos e costumes, assim como outras aqui não mencionadas, tanto derrubaram tabus, quanto trouxeram mais liberdade e conforto às pessoas. Entretanto, nas asas dessas mudanças salutares, vieram, ao poucos, alterações indesejadas no âmbito das relações humanas, bem como em relação ao comportamento das pessoas no espaço público. Nem se fala da violação do direito ao patrimônio, fenômeno que vem crescendo desde aquela época para, atualmente, gerar esse ambiente de insegurança, até de terror, em que vive hoje a sociedade. Recorre-se, sim, aos conceitos de ética, lealdade, amizade, companheirismo, respeito mútuo, valores entronizados no passado não mui distante, porém deturpados em nome da modernidade, cuja imposição se faz sem se considerar sua qualidade e validade.

Quando se fala em qualidade de vida, num paralelo entre o passado e o presente, há que considerar a vertente material, que evoluiu e, sob certos aspectos, democratizou o consumo, especialmente nas pequenas cidades; estendeu os meios de transporte a um universo maior de pessoas; ainda que sem acesso para grande parte do público, conquistas da medicina possibilitaram vida mais longa; a comunicação interpessoal se estendeu por todo o mundo para um número maior de comunicantes. Não se pode negar que, visto pelo lado material, que a qualidade de vida melhorou e alcançou maior número de indivíduos.

Em contrapartida, pela vertente social, no sentido mais abrangente, o que se vê é a deterioração na interação humana, desde indivíduos desconhecidos entre si em eventual contato, até coparticipantes de um mesmo grupo, na ação lado a lado. Censura-se a repulsa gratuita entre estranhos, mas, o que dizer da ação deletéria, sem causa aparente, entre integrantes de um círculo? O que leva pessoas a se comportar no sentido contrário aos objetivos do grupo a que pertencem? O que as leva a renegar a ética, lealdade, amizade, companheirismo, respeito mútuo? Infelizmente, esse comportamento, cada vez mais frequente, assusta a sociedade e desestimula novas participações, ações e iniciativas construtivas. É a consolidação da inversão de valores na sociedade!

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