Fazer o bem... a quem?

23 de Setembro de 2011
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

O número de pedintes nas ruas, ao contrário do verificado ainda há pouco tempo, reduziu-se, e, não seria para se esperar outra coisa, em razão do que se alardeia por aí sobre as bolsas sociais distribuídas pelo governo. Menos mal, porque a mendicância que irrita a insensíveis provoca sensação de desconforto moral, ou mesmo de culpa, em quem se solidariza, momentaneamente, embora se saiba que nesses casos, nem sempre, de grão em grão a galinha enche o papo, se o pedinte realmente necessita. Em reação ao assédio do pedinte, série de conjeturas se abre e leva a pessoa ao dilema: dar ou não dar a esmola! Sem conhecer a verdade por trás do apelo recebido, tanto pode estar uma vida desamparada como pode se tratar de golpe, para explorar o sentimento alheio. Mas, se diminuiu o número de pessoas nesse tipo de abordagem nas ruas ou à porta das casas, surge a modalidade organizada e dirigida dentro de coletivos.

Pessoa entra no veículo, distribui folhetos com o pedido, em alguns casos acompanhados de pequeno “brinde”, retornando depois para recolher os papeluchos e as contribuições dos que aderem. Mais do que na rua ou à porta de casa, o passageiro se sente constrangido, parecendo-lhe o pedido uma imposição e obrigação da qual não pode fugir. Na maioria das vezes dessa modalidade, o pedinte se apresenta como representante de alguma associação de deficientes, sempre de local distante. Sem como conferir a veracidade do que se apresenta naqueles poucos instantes, o abordado se deixa dominar pela emoção e o pejo de parecer insensível. Atende ao pedido, embora lhe fique a dúvida sobre o merecimento alegado por quem pede. Bom argumento para a negativa seria a existência de organizações assistenciais bem mais próximas, idôneas e cumpridoras dos objetivos propostos à sociedade, mas a consciência acusa a omissão diante do certo e facilita a opção pelo incerto. E outro aspecto há que se considerar, antes de decidir por resposta positiva ao apelo.

Em princípio, deficiência física, ou dos sentidos, nem sempre se constitui em fator excludente do mercado de trabalho, podendo cada qual se adaptar a uma atividade, específica e que melhor se adapte à sua personalidade. Reconhece-se, no entanto, estar o mercado de trabalho longe de absorver todos portadores de deficiência, mas a cultura tupiniquim que, desde o berço, trata deficientes como “coitadinhos”, muito contribui para que parcela dessas pessoas especiais se coloque à parte da sociedade produtiva, quando poderia até servir de exemplo aos ditos “normais”, porém carentes de ânimo para enfrentar e superar obstáculos. Pessoa dessas, ao demonstrar disposição para superar seus limites, não raramente, encontra apoio necessário, pois a comunidade tende a elevar ao panteão dos heróis os que se destacam na luta desigual pela vida.

Exemplo desses casos deu-se, em Ouro Preto, há cerca de cinquenta anos, ainda no início dos anos 60, quando a comunidade local, livre de influências estranhas, era mais interativa, solidária e orgulhosa de sua criatividade. A economia girava em torno da fábrica da ALUMINAS, em Saramenha, onde ganhava o pão a maior parte da população laboriosa; poucos carros circulavam pelas ruas, todas ainda de mão dupla; e, a provocar gaiatos que diziam inventarem-se santos para se fazer procissão, quase que a cada semana havia uma festa religiosa. As maiores diversões dos ouropretanos, nos fins de semana, eram o cinema, as domingueiras no “Quinze” (Clube XV de Novembro) e o “footing” na Rua São José. Certo dia, à pensão onde tomavam refeições bom número do pessoal de escritório (este escriba incluso), de Saramenha, servidores municipais e pequenos comerciantes, chegou, não se sabe de onde, um rapaz mudo. Para se comunicar, portava papel e lápis usados com rapidez nos contatos com as pessoas. Demonstrava ter bom nível em conhecimentos gerais e, embora limitado no poder de comunicação, fez seu círculo de amizades, chegando a conseguir emprego na área de manutenção, em Saramenha. Também arrumou namorada e, por ocasião do Natal, chamou a atenção por sua contrição, de joelhos, a segurar grande vela, durante todo o ofício religioso. Era admirado por sua educação e determinação, embora lhe faltasse a fala.

Levava a vida normal quando, certo manhã, enquanto fazia rápida oração, ao entrar na fábrica, a fala se soltou diante dos colegas ao lado e do funcionário da portaria. Formou-se o reboliço com todos a gritar milagre, milagre, milagre! Naquele dia, de outro assunto não se tratou: todos estavam impressionados e satisfeitos pelo acontecido. O “Mudo” – assim ficara conhecido – não mais era mudo! E, como não podia deixar de acontecer, no domingo seguinte houve celebração religiosa, incluindo-se procissão, em agradecimento pelo feliz ocorrido. Só faltou o mudo ser carregado em andor! Mais algum tempo e, lá um dia, o “Mudo” desapareceu. Seus companheiros, no alojamento de solteiros, denunciaram sua saída furtiva à noite; e, pior, objetos pessoais de alguns dos alojados teriam também desaparecido. Foi a decepção geral, confirmada e acrescida com informação veiculada em páginas policiais no dia seguinte: era perigoso ladrão fugitivo da Justiça... que, em Ouro Preto, se revelara artista!

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