Holocausto brasileiro

03 de Junho de 2016
João de Carvalho

João de Carvalho

UM “campo de concentração travestido de hospital” é a expressão usada pela escritora Daniela Arbex para, de início, caracterizar o genocídio de 60 mil mortos no maior hospício do Brasil, com perfeita descrição de fatos que carregam o leitor nas páginas de seu livro intitulado: “Holocausto Brasileiro”. É uma sucessão de fatos, narrados com precisão pela autora (também de “Cova 320”), que tocam a sensibilidade emocional do leitor. Observe que eu sendo são-joanense, cidade próxima de Barbacena, jamais tive conhecimento de tanta barbárie e covardia praticadas contra seres humanos, em pleno centro de Minas Gerais.

Eu me senti envergonhado por tantos atos de violência e desumanidade, mostrados nesse livro, com tanta clareza, segurança e destemor. Minha ignorância, talvez tenha sido por viver em minha terra, apenas como estudante interno do primeiro e segundo graus, à época. A vida nos obrigava a sair da terra de origem em busca de instrução universitária, ausentando-nos do meio da inesquecível cidade natal. Transcrevo a seguir alguns tópicos ilustrativos desse livro que mostram as atitudes perversas dos pseudos tratamentos verificados neste manicômio mineiro:

“1 – PELO menos 60 mil pessoas morreram entre os muros do Colônia. Em sua maioria, haviam sido internados à força. Cerca de 70% não tinham diagnóstico de doença mental. Eram epiléticos, alcoólatras, homossexuais, prostitutas, gente que se rebelava ou que se tornava incômoda para alguém com mais poder. Eram meninas grávidas, violentadas por seus patrões, esposas confinadas para que o marido pudesse morar com a amante, filhas de fazendeiros que perderam a virgindade antes do casamento, homens e mulheres que haviam extraviado seus documentos. Alguns eram apenas tímidos. Pelo menos 33 eram crianças.

2 – Os pacientes do Colônia às vezes, comiam ratos, bebiam água do esgoto ou urina, dormiam sobre capim, eram espancados e violados.

3 – Alguns morriam de frio, fome e doenças. Morriam também, de choque. Às vezes os eletrochoques eram tantos e tão fortes que a sobrecarga derrubava a rede do município. Nos períodos de maior lotação, 16 pessoas morriam a cada dia. Ao morrer, davam lucro.

4 – No início dos anos 60, depois de conhecer o Colônia, o fotógrafo Luiz Alfredo, da revista O Cruzeiro, desabafou com o chefe: “Aquilo é um assassinato em massa”.

Em 1979 o psiquiatra italiano Franco Basaglia, pioneiro na luta pelo fim dos manicômios que também visitou o Colônia declarou numa coletiva de imprensa: ‘Estive hoje num campo de concentração nazista. Em lugar nenhum do mundo, presenciei uma tragédia como esta. (Tópicos extraídos da orelha interna da capa do livro)”.

ENFIM, os campos de concentração estendem-se além de Barbacena, podem estar nos hospitais públicos lotados com grande precariedade de atendimento; nas prisões, em alguns centros de sociedade educacional, mal aparelhados para sua finalidade, nas comunidades à mercê do tráfico. A história do Colônia é também a nossa história, pelo nosso esquecimento, pela nossa omissão, pelo nosso receio de denúncia, pelo nosso medo de perda de emprego, pela nossa covardia, pela nossa falta de espírito cristão, pela nossa falta de vergonha na cara, pelo medo de enfrentar o poder dominante. Desculpem-me, estou decepcionado e chocado, envergonhado de mim mesmo, frente a tantos problemas graves que exigem posição definida e corajosa de nós, seus irmãos.

Quantos políticos, autoridades religiosas, civis e militares e a própria sociedade da época – 1903 a 1994, se omitiram diante de tanta barbárie feita em nome de uma falsa medicina, aplicada com crueldade. “O Colônia existiu para fins políticos e não terapêuticos. O fato é que a história do Colônia é a nossa história. O Hospital Colônia representa a vergonha da omissão coletiva que fez mais e mais vítimas no Brasil”.

(Acesse: leiturahobbyperfeito.blogspot.com.br)

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