Horário da polêmica

20 de Outubro de 2017
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Ainda não foi desta vez, mas quase que foi! O horário de verão, por diversos (incluindo-se este) denunciado como ingerência abusiva do governo, na vontade do povo, para não dizer comprometedora da saúde, em razão da alteração do biorritmo, ainda prevalece e deve contribuir para o aumento da ira popular. Criado em terras alheias, ainda no século dezenove, foi adotado no Brasil, em 1931, pelo governo Vargas. Alternaram-se períodos com sua adoção e não adoção até que, em 2008, foi tornado permanente, tendo data para começar e para terminar a cada verão. Seu início foi fixado para o terceiro domingo de outubro e seu término no terceiro domingo de fevereiro, exceto nos anos em carnaval cair antes desse domingo.

No início, embora parte da população reclamasse, havia pouco conhecimento sobre a influência do horário de verão sobre a saúde. Mediante estudos, entre os quais o relativo ao biorritmo, sabe-se atualmente que o organismo humano não é algo, manipulável à vontade, pois ainda que alguns pensem ser donos do próprio corpo, não o somos. O corpo está entre as coisas que obedecem às chamadas leis naturais, em defesa das quais tanto discurso se faz, infelizmente com pouca ação em contrapartida. Com ligeiras variações cada indivíduo tem sua hora de se recolher para o repouso necessário, após o qual soa momento de nova vigília, para se entregar aos afazeres quotidianos. Alteração, no tempo dessa rotina, seguindo-se a mesma coisa quanto à hora da alimentação e demais afazeres, não se faz sem algum dano ao organismo afeito um ritmo prefixado. Os efeitos, sentidos objetivamente, podem não ir além dos primeiros dias, como dizem alguns, mas não é bem o que acontece. O organismo não se acostuma, porém o individuo se acomoda à nova situação, imposta de fora, enquanto conflitos se dão entre a natureza interna e a ingerência da vontade externa. Os efeitos adversos ao organismo humano, assim como os danos à natureza, decorrentes de agressões ao meio ambiente, só vão se manifestar mais tarde.

Entre os que aprovam o horário de verão, argumenta-se ser o horário favorável à prática de caminhadas, de esportes, em razão das tardes mais amplas. A argumentação não deixa de ter lógica, mas pode ser também usada para o aproveitamento das manhãs mais longas do horário normal, para as mesmas finalidades, com a vantagem do aproveitamento de ar mais puro e de ter o corpo descansado.

A julgar pelo suspense do governo em torno de possível abolição do nefando horário, no momento atual, que acabou não se confirmando, acredita-se não mais será adotado no próximo ano. Da parte governamental, alega-se o baixo consumo de energia, consequência natural da crise econômica como motivo para deixa-lo de lado, mas a conversa deveria ser outra. Na verdade, a mentira não mais se sustenta. A ridícula economia de cinco por cento, além de perdida na iluminação extra das festas de fim de ano, deve estar sendo superada, com larga margem, pela produção de energia fotovoltaica. Finalmente, expande-se no país a exploração da luz solar para fins de geração de energia elétrica. É o que se constata, ao acompanhar relatórios demonstrativos sobre empreendimentos, no setor, e informações sobre o interesse do mercado consumidor. Em razão disso, cai por terra o falacioso argumento da necessidade de economizar para não faltar... há energia a sobrar!

Horário de verão, no Brasil, é produto da mania imitativa tupiniquim, o que enseja a vizinhos rotular-nos “los macaquitos brasileños”, embora sejam os maiores consumidores externos da banana brasileira. O lastimável é que cópias e imitações são feitas do dispensável ou não de acordo com cultura, costumes e necessidades locais, descartando-se o bom, possivelmente proveitoso, ainda que necessitado de adaptações à realidade tupiniquim.

Enquanto, lá fora, o horário de verão tem a economia como objetivo mediante melhor aproveitamento das tardes prolongadas, cá o objetivo está no turismo litorâneo, que muito se beneficia no período da estação mais quente que, tradicionalmente, é também o das férias. Não ficando bem admitir protecionismo a único setor apela-se para a necessidade de economia. Tradicionalmente, no período primavera-verão ocorrem as férias e grande fluxo de pessoas converge para o litoral. Aí pode estar a verdadeira razão para o horário de verão. É de interesse da indústria do turismo maior aproveitamento das tardes ensolaradas, que se tornam ainda maiores com a extensão de uma hora. Para hotéis, clubes, bares, restaurantes, veranistas e toda a diversidade na área do lazer e recreação, na orla litorânea, o horário de verão é mágico. Para grande parte dos que continuam no trabalho, mormente os afastados do litoral, o mesmo horário é suplício.

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