Ignorância e Ibope

05 de Agosto de 2015
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Que a televisão aberta brasileira pouco tem a oferecer, no sentido de ampliar os conhecimentos da população, todos estão cansados de saber. Basta abrir qualquer canal, especialmente nos horários ditos nobres, para se constatar a mediocridade da qual se abastecem crianças e jovens em formação. O pouco de aproveitável é veiculado, quando a maior parte dos aparelhos está desligada. Mas, o pior está em programas informativos, por meio dos quais matérias são veiculadas sem o devido cuidado quanto ao verdadeiro significado de vocábulos nelas empregados.

Em país com altos índices de leitura por parte da população, tal fato talvez não represente prejuízo, mas onde o forte do conteúdo lido está em manchetes de jornais popularescos, informação deturpada só contribui para a formação das chamadas “pérolas”, garimpadas nas provas do Enem, dos vestibulares e concursos em geral.

Há poucos dias, em um desses jornais televisivos, reportagem focalizava prejuízo sofrido por colecionador de veículo. Segundo a reportagem, ladrões teriam invadido a propriedade e levado um veículo do colecionador. Sabendo-se que coleção, segundo o Houaiss, pode ser: “1 reunião ou conjunto de objetos; 2 reunião ordenada de objetos de interesse estético, cultural, científico etc., ou que possuem valor pela sua raridade, ou que simplesmente despertam a vontade de colecioná-los; 3 compilação, coletânea; 4 conjunto limitado de obras de um ou de vários autores, publicadas sob um título principal pela mesma editora;” e outros conceitos dentro do mesmo sentido de reunião ou grupo de coisas do mesmo gênero, a chamada à matéria levou a se imaginar pessoa abastada a perder uma de suas preciosa relíquias automobilísticas. É que tal tipo de coleção, por razões óbvias, não pode ter como proprietária pessoa de menores posses. Para surpresa do telespectador a pessoa focalizada não era nenhum ricaço, porém pobre detentor de um fusquinha dos bem antigos, conservado a duras penas pelo dono, agora “ex” por força da gatunagem que reina solta neste país de “lalaus”.

Foi frustrante para o telespectador, que esperava ver na reportagem uma amostra da preciosa coleção, mas fazer o quê diante da ignorância. O autor da matéria, pelo visto e ouvido, não tem noção da responsabilidade que cabe ao profissional de comunicação, sabendo-se que muitos dos que o ouvem ou leem confiam cegamente no que ele transmite. Aos alunos do primeiro e segundo graus, por exemplo, é sugerido o acompanhamento de noticiários, de onde muitas questões para provas do Enem, do vestibular e outros concursos podem ser tiradas. Mas, se seguirem, à risca, o conselho, podem se afundar em frustração! Não são poucas as vezes, que asneiras são ditas e repetidas na televisão.

Há algum tempo, também em jornal televisivo, interessante reportagem se fez sobre a festa de Santo Antônio, em determinada cidade do interior de Minas. A matéria discorria, detalhadamente, sobre todos os eventos, dando ao telespectador uma visão completa do que teria sido a festa. Ao final a matéria informava que os festejos eram antecedidos pela tradicional Trezena de Santo Antônio, mas o repórter, querendo dar toque pessoal, concluiu com esta explicação: trezena é uma novena de treze dias! Se há novena de treze dias, pela lógica, deve haver também bicicleta de três rodas! A reportagem que estava a merecer dez, até aquele momento, resvalou para o zero. Em outra ocasião, numa rádio paulistana, o locutor leu a programação de uma festa religiosa, por coincidência, no interior do município de Mariana. Os festejos se encerravam com o solene Te Deum Laudamus, que o profissional explicou ser antiga dança, voltando à moda em Minas. No passado, teria ele sido excomungado pela Igreja, como herege!

Na televisão, já deveria bastar o “récorde”, intrusão global por meio de seus profissionais, que teimam no emprego daquele vocábulo inexistente na Língua Portuguesa. No sentido de ultrapassagem de uma realização precedente, o bom Português tem a palavra “recorde”, com acentuação tônica na penúltima sílaba e não na antepenúltima, como quer a Rede Globo.

Quanto isso, repete-se fenômeno próprio da cultura tupiniquim. Muita crítica se faz em relação à Globo, tal qual em relação a outras realizações que se destacam por sua qualidade ou poder no mundo. Entretanto somente seus erros são copiados e macaqueados como se corretos fossem. E assim o Brasil vai vivendo de “récordes”, na mediocridade e ignorância!

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