Um mistério no ar

12 de Agosto de 2015
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Para quem viveu a infância, nos anos quarenta, século vinte, meio rural, nesta região do país, a crise da água parece algo a ultrapassar a atualidade, situando-se no futuro no campo da fantasia, como anteviam relatos de ficção científica, publicados em revistas de quadrinhos, os gibis.

Água, até que podia faltar... na torneira! Aliás, torneira era o que mais faltava, porque para a grande maioria dos mortais, quando não da torneira pública, a água vinha da bica a jorrar constante, como se nunca fosse acabar; da cisterna, furada no fundo do quintal; do poço natural, alimentado por um olho d’água, que podia brotar até num canto de rua; ou de regato, então cristalino como qualquer outro de sua natureza. Da fonte de captação individual, ela era carregada em baldes à mão, ou em latas na cabeça, para ser armazenada no alguidar familiar, cuidadosamente protegido contra invasões estranhas.

Longe do Nordeste, onde a falta d’água na vida daqueles brasileiros foi sempre uma constante, por força da natureza, bem como pela omissão política, por cá a água, como o ar, era abundante e não se imaginava um copo dela comprado. Também fora de cogitação, naquela época, o gesto infracional, por um ângulo, e humanitário, por outro, do condutor de caminhão-pipa que, sem autorização da empresa para a qual trabalhava, levou dezoito mil litros de água a moradores desabastecidos de outro bairro, na atual crise hídrica, em São Paulo. Conflito, se não por causa da água que jorrava de graça, às vezes, havia em razão da esperteza ou jeitinho brasileiro, que levava alguns a furar fila e retardar o trabalho do semelhante, que cuidava de chegar mais cedo.

O precioso líquido, em seus mananciais, era regularmente renovado, na estação certa, por chuvas abundantes e continuadas, as invernadas, e, na estiagem, os cursos hídricos não chegavam a minguar. Preocupação havia era com o abastecimento, penoso e manual, porque a água estava lá, nos mesmos lugares e a qualquer momento, que se quisesse obtê-la.

Em meio século, o equilíbrio climático se alterou, passando a apresentar um quadro preocupante, não por informações vindas de outros pontos do planeta, porém captadas pelos olhos locais. A bica, que parecia eterna, minguou ou secou; o pequeno regato deixou de existir, a nascente desapareceu e, consequentemente, o poço também. Em se tratando da própria natureza, de onde provém a vida, estas são as constatações mais graves, porque quando a falta é na torneira, outras razões pode haver, desde falha na captação, má distribuição, até falha na instalação doméstica, sem se esquecer do mau gerenciamento público. As explicações para essa alteração, quase sempre, colocam a humanidade como vilã, o que em parte, pode ser verdade, mas não se pode desprezar a hipótese da transformação planetária, contra a qual não se luta, porém se adequa.

E, para isso, visões futuristas de guerras, tragédias e destruição do planeta, tendo como causa a escassez de água, não é o melhor caminho; é o mesmo bicho-papão, que forma o covarde em lugar do cidadão consciente. Se o planeta se transforma, seus habitantes têm de acompanhá-lo na transformação, modificando hábitos considerados predadores e perdulários diante da nova situação. E aos gestores públicos não basta o controle do consumo, por qualquer meio que seja, devendo antes colaborar, diretamente, e educar para que recursos hídricos sejam mais bem preservados.

Assim é que a reciclagem doméstica da água já deveria entrar em consideração por parte de estudiosos do setor, bem como o aproveitamento das águas pluviais, por armazenamento das que caem nos telhados e de parte das enxurradas, que fazem transbordar os cursos perenes. Com o crescimento da escassez é mais do que recomendável o aproveitamento das sobras oferecidas pela natureza em tempo de fartura. Estas e outras providências já deveriam ser tomadas, pois verdadeiras ou não, as previsões mais pessimistas devem ser levadas em conta. Melhor pecar por excesso de zelo do que por omissão! Segundo alerta dado pela ONU, quarenta por cento da água, no mundo, podem sumir até o ano de 2030. Ainda de acordo com a mesma fonte (ONU), atualmente mais de setecentos milhões de pessoas não têm acesso à água potável; imagine-se a tragédia daqui a quinze anos. E vem a questão científica:

Sabendo-se que “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma” (Lei de Lavoisier) e que a água é formada por hidrogênio e oxigênio, a água faltante dissociou-se naqueles dois gases. Somaram-se à natureza as quantidades de hidrogênio e de oxigênio correspondentes à massa de água desaparecida? Resumindo, faz-se a pergunta ainda não ouvida: para onde foi a água?

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