Lei, de fato, ou para inglês ver

27 de Janeiro de 2015
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Embora dolorosa do ponto de vista humanitário e questionável a lei que a determinou, a execução do desportista brasileiro, na Indonésia, deveria servir de lição aos compatriotas do executado, bem como aos seus governantes. Lá como cá existe lei antidrogas, mas se lá ela é dura e implacável, cá é moleza e cheia de brechas, por onde escapa quem tem dinheiro e/ou apadrinhamento dentro do poder; lá como cá, atenta-se contra a mesma lei, mas se lá, de fato, o criminoso presta contas à sociedade, aqui ele ri desta e persiste em sua criminalidade, até mesmo sob a tutela do estado, quando eventualmente condenado e recolhido ao presídio. De trás das grades, ele comanda o crime e fatura altas somas.

A própria condição econômica e faixa etária do condenado apontam para o descaso em relação às leis, neste país, persistindo essa mentalidade quando em terra estranha, como se lá fosse como cá. Dotado de boas condições econômicas e preso quando tinha cerca de quarenta anos, o instrutor de voo livre não era desempregado e em situação de desespero, para se arriscar por dinheiro; também não estava na pós-adolescência, recém-liberto das amarras da minoridade, quando se julga ter conquistado o mundo e o amanhã, em toda sua plenitude. A cultura tupiniquim do desprezo às leis o levou a se comportar como se em casa estivesse; saltou para o quintal do vizinho, confiante que, ali, o cachorro fosse indolente, tal como o de sua casa. Deu no que deu.

A reação do governo brasileiro se fez dentro da mesma mentalidade; “se aqui é assim, lá também deveria ser”. Não se questionam gestões por clemência junto ao governo indonésio, coisa natural e humana, esperada para qualquer semelhante em situação idem, colocando a vida acima de todas as questões sociais e comportamentais. Clemência, transposta para o plano individual, seria a mão estendida para ajudar até o inimigo a escapar da morte; gesto pessoal de solidariedade por questões humanitárias. No plano soberano de um país, o que manda é a lei e não a vontade do governante. Quanto a partir para o azedume político nas relações internacionais e retaliações na área comercial, fica implícita, na reação, pressuposta interferência nas decisões internas de um estado soberano; o que não se admite, em nenhuma circunstância. Direito de pedir clemência não se nega ao estado brasileiro, mas este há que reconhecer o direito do outro (estado) semelhante, que pode ou não atender, de acordo com suas próprias leis.

Quem leu meu texto, publicado na semana passada, pode estar a me questionar por incoerência, uma vez que nele posiciono-me, como sempre, contra a pena de morte. Neste momento, defendo o governo indonésio quanto ao cumprimento da lei. Sei que ela é dura e, de certa forma, injusta, mas é lei. Por outro lado, critico o estado indonésio por ainda manter a pena capital, que considero absurda por questões de origem: se nenhum indivíduo tem direito de matar, e, sabendo-se que o estado é formado por indivíduos com a mesma qualidade, como podem esses indivíduos dar ao estado o que não têm?

O que se faz necessário é a mobilização para por fim à pena de morte onde ela existe e não o questionamento pontual, visando este ou aquele condenado. Não é porque tem esta ou aquela origem, ou detém habilidades, como a de se por de ponta-cabeça apoiado num único dedo, ao contrário de muitos outros, que se vai passar por cima da lei quanto ao destino de condenado por crime confesso. Isso é discriminação e mais injustiça na face da terra! Em lugar de fazer beicinho, bater o pé ante recusa do pedido e fazer retaliação, o governo brasileiro deveria sair à frente de movimento internacional contra essa aberração jurídica, que ainda enodoa muitos países. O mesmo empenho não se vê quanto ao reexame, com mais profundidade, da situação de muitos detentos pobres, no Brasil, condenados após frágeis investigações e julgamentos nem tão criteriosos.

Há quase 55 anos (2 de maio de 1960) foi executado, nos Estados Unidos, CarylChessman, cognominado o “Bandido da Luz Vermelha” (apelido aproveitado mais tarde, no Brasil, para identificar outro criminoso). Durante doze anos, CarylChessman negou ser o tal maníaco sexual, mas ele teria sido reconhecido por, pelo menos, duas entre muitas vítimas de estupro, crime ao qual, em vários casos, estava associado o furto. No presídio, tornou-se estudioso do Direito e chegou a escrever quatro livros, que lhe dariam notoriedade, conforme se encurtava o tempo faltante para o dia de sua execução. Em falta da televisão, ainda incipiente, o rádio uniu as vozes, nos quatro cantos do mundo, em favor deChessman, pedindo clemência, a grande maioria com base no argumento de que ele teria se arrependido e se tornado escritor. Assim como hoje, minha posição era contrária a pena de morte, mas ao contrário da grande maioria ao meu redor, não torci pela comutação da pena imposta àChessman, pois entendo que deve prevalecer a Lei. Dura lex, sedlex! (a lei é dura, mas é lei!).

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