Livro revela situação grave das águas de Ouro Preto

06 de Maio de 2015
Jornal O Liberal

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*Mauro Werkema

A vida nasceu e se sustenta pela água tanto quanto pela luz do Sol. Mas, cada vez mais, por irresponsabilidade das sociedades humanas a águavem se tornando um bem raro e caro, em condições de uso humano e nas múltiplas atividades das sociedades contemporâneas em que é essencial. Em Ouro Preto – como também em proporções diferentes em toda aRegião dos Inconfidentes – adisponibilidade de água, em quantidade equalidade, é crítica em vários aspectos. Por isto, torna-se um documento fundamental e importantíssimo o livro“Água e cultura – Inventário das fontes de água em Ouro Preto”, com textos científicos de especialistas da UFOP reunidos pelo editor Paulo Lemos e que fornece análises e informações preciosas sobre os mananciais de água do município, as fontes que abastecem a cidade e sua qualidade. Cada texto apresenta informações fundamentais à gestão das águas pela cidade e esclarece sua população sobre o produto que está consumindo, mostrando que muitos são os perigos e várias as fontes de doenças, entre muitas outras mazelas que compõem um quadro dramático para uma cidade que quer ser destino turístico internacional e que recebe visitantes de todo o mundo.

Não há propriamente escassez de fontes de água em Ouro Preto. O que há é um precaríssimo sistema de captação e deanálise e tratamento que possibilite identificar a composição danosa à saúde humana, como demonstrado sobejamente em vários textos,com a constatação de elementos químicos e coliformes de várias origens, principalmente fecais. Mas tão ou mais importante é a afirmação de que não haverá solução, para a quantidade aproveitável e a qualidade se o sistema não for aprimorado em médio prazo, o que não se conseguirá sem a hidrometração, ou seja, a colocação de hidrômetros na saída dos reservatórios e na entrada das residências. É o hidrômetro que mede a perda da água e permite o controle do consumo, além de ser social e economicamente justo quanto à cobrança da água consumida. Esta cobrança é vital e a população de Ouro Preto precisa compreendê-la como necessidade urgente, a exemplo do que ocorre em todas as cidades organizadas de todo o mundo. No momento, o cálculo é que Ouro Preto perde mais de 50% da água captada, um dos piores índices do Brasil. Paralelamente, é urgente um programa que evite o consumo de águas contaminadas.

Algumas afirmações, feitas a partir de pesquisas de campo e análises científicas das nascentes, representam conhecimentos essenciais para Ouro Preto. As características químicas da água decorrem dos meios onde nascem e por onde passam e Ouro Preto, por sua geologia, por sua topografia, mas, e principalmente, pelas inúmeras minas antigas, como também por fossas, tem fontes muito comprometidas. Existem análises químicas, da UFOP,que apontam, em várias fontes, impropriedades para o consumo humano. E são inúmeras as doenças de veiculação hídrica, constatadas em Ouro Preto por diagnósticos médicos. Texto científico afirma que as águas encontradas em Ouro Preto, especialmente aquelas que passam por antigas minas, possuem concentrações elevadas de arsênio, manganês, cobre, chumbo e cádmio, em valores acima do permitido pela Organização Mundial de Saúde e pela Portaria 2.914, do Ministério da Saúde. Econclui ainda que as águas e chafarizesque descem da Serra do Ouro Preto, onde se concentram asantigas minas, estão contaminadas, embora abasteçam vários bairros. A maior concentração de arsênio, um veneno, foi encontrada no Bairro Padre Faria, chegando a 283 pg/L no período chuvoso, 30 vezes acima do limite de 10 pg/L. Esta situação se repete em várias fontes. Chega-se a recomendar a suspensão imediata do consumo pela população nas regiões onde a água está mais comprometida, que um dos artigos aponta com precisão.

O livro, pela palavra dos diversos especialistas, é um contínuo e dramático relato da situação das águas de Ouro Preto. Além da composição química, existem contaminações por falta de limpeza e cuidadosjunto às fontes ecoletas, onde se constou a presença delixo,ligação comesgotos e presença de animais. Os esgotos via fossas se espalham pela cidade, sobretudo nas ocupações irregulares e desordenadas, em terrenos de elevadaaclividade e geologia drenável,sema presença desistema públicode coleta. E não há o tratamento amplo desta água, nem o convencional e muito menos o especializado que seria capaz de remover elementos químicos. Implantar sistemas adequados de saneamento básico em Ouro Preto, em todo o seu ciclo, da captação, transporte, armazenamento e distribuição domiciliar, é algo que exige muito investimento e que é complexo em Ouro Preto, por sua topografia e pela necessidade de remoção de sistemas muito antigos. A Copasa não mais se interessa pelo elevadoimobilizado financeiro necessário e porque não trabalha mais com objetivos sociais, ou seja, só comsistemas rentáveis. E a Prefeitura não tem condições de arcar com tamanhos investimentos. Mas poderia, para começar, elaborar um programa para o que já conta com as pesquisas contidas no livro e certamente também com a UFOP e os professores especializados. E realizar a hidrometração, o que pelo menos contribuiria para resolver a questão da falta d’água, que se torna crônica em Ouro Preto.

O fato é que o livro do editor Paulo Lemos é um documento que aponta, com critérios e pesquisas científicas, um dos aspectos mais graves e dramáticos da tricentenária cidade e que deveria mobilizar não só a Prefeitura, mas os governos do Estado e Federal. O texto impressiona na medida em que revela um quadro altamente preocupante e que, embora já conhecido e denunciado, nunca tinha sido mostrado com tamanho detalhamento em todos os aspectose com embasamento científico. A situação encontrada é de tal ordem grave que ficamos pensando em como puderam as administrações passadas, certamente informadas deste quadro, não terem pelo menos denunciado ou encaminhado soluções possíveis. Merece leitura, análise e deve motivar as intervenções possíveis nas situações mais graves. Mas não há dúvida de que se trata de uma das mais urgentes e preocupantes realidades de Ouro Preto, a exigir posicionamento eficiente e responsável no sentido de remover desde já as contaminações mais perigosas. Vale a leitura como forma de uma tomada de consciência desta preocupante situação.

*Jornalista

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