Luta contra moinhos de vento

19 de Setembro de 2012
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Uma vez mais, o escriba locatário deste espaço, dá descanso ao grupo que converte, em lazer, lembranças das coisas de ontem, mescladas com as de hoje. Deixa de lado, pronto, capítulo da série e se dedica, exclusivamente, a assunto de hoje, do incomodante agora, quando o cidadão, exposto ao vale tudo, grita por socorro e o som se perde na imensidão do deserto da omissão e da desatenção, ainda que ouvidos haja, e, ditos prontos para ouvir.

Entretanto, estes se fecham, ignorando, ostensivamente, o problema, quando não tomadas providências inócuas, ou são abafados pela zoeira generalizada que a ignorância, tendo por aliados recursos eletrônicos, vomita sobre a população. Não mais o sossego no lar, ambiente para conversa, para ouvir e se fazer ouvir, para o deleite da música de sua preferência, porque em seu lugar entra a balbúrdia sonora, seja de veículos particulares transformados em trios elétricos (jecas do asfalto), a rodar dia e noite, ou de eventos, cuja grandiosidade é medida pelo impacto dos decibéis, resultantes da imbecilidade.

Do ambiente universitário, em festa de formatura, ao popular, em festa religiosa, diferença não há quanto a abusos e agressões à saúde humana como um todo, não somente ao sentido da audição, como muitos acreditam. Quem, por convicções cidadãs, reforçadas por dever de ofício, abraça a causa em defesa do direito da coletividade quanto a ter os ouvidos livres de excessos sonoros (especialmente dos meios eletrônicos) se sente como a lutar contra moinhos de vento, ou a gritar no deserto. Diz-se, comumente, que “água mole em pedra mole, tanta bate até que fura”, se a água não seca – acrescentado por minha conta. Do mesmo modo, ainda que, de imediato, reação não se faça, há que gritar nos ouvidos do poder público, até que se fure a bola de cera ali grudada, antes que todos nos tornemos surdos e a voz, sem motivação, se cale.

Mesmo sob o domínio da inversão de valores, justo não é que vontade de minoria medíocre, motivada pela imbecilidade, tenha preferência sobre o bom senso, respeito ao próximo e princípios de educação, praticados pela maioria. Se, espontaneamente, não há adesão aos princípios da boa convivência-social-coletiva ou o “desconfiômetro” não faz parte da equipagem dos medíocres, a autoridade constituída existe para que se faça respeitar os direitos da maioria. Se ao ocupante não apetece o exercício da autoridade em defesa dos sensatos contra a covardia dos pretensamente fortes, preferindo os louros que a vaidade exige, que entregue o cargo e outro mais afeito ao trabalho. A população, cansada de tantos abuso e desrespeito, exige ação, mais do que discussões vãs, palavras em discursos soltos ao vento, troca de papéis inúteis dentro da burocracia oficial e, principalmente, o empurra-empurra entre os vários tentáculos da administração pública.

A inversão de valores, que dita a ascendência da coisa sobre a pessoa, da obra sobre o criador, adverte sobre o perigo que corre o dito Patrimônio Cidadão, em Cachoeira do Campo, configurado no sobrado da Praça Felipe dos Santos, adquirido pela municipalidade. Sob o peso do som abusivo e desregulado dos shows ali realizados é possível que, pelo menos em parte, se repita com o imóvel o que se deu, segundo a Bíblia, com as “muralhas de Jericó”. Constata-se, durante a realização de tais eventos, a desintegração e queda do reboco mais alto, prevendo-se o tombamento, de fato, do imóvel, se o volume do som eletrônico não for reduzido ao nível do ambiente onde se realiza o evento, tomando-se como base conversação normal sem esforço de voz. E quanto à igreja-matriz, na mesma praça e sob a intervenção técnica do IPHAN, seria oportuna avaliação desse impacto sonoro no interior do monumento. Constatado o perigo sobre a obra é possível que, indiretamente, seu criador venha a ser beneficiado.

Para se ter ideia do volume do som grave, mais prejudicial, considere-se o show realizado, dia oito último. Em ponto, suficientemente baixo para que não chegasse o som de shows anteriores, o som grave do último evento chegava como ribombar de canhão, chegando a estremecer vidraças. Pessoas expostas a tal brutalidade sonora, embora digam acostumar-se com a frequente exposição, na verdade, estão a por a saúde em risco, podendo esperar as consequências em futuro não mui distante. Está também provado que ruído em excesso, com destaque para o som ampliado e propalado por meios eletrônicos, altera o humor das pessoas e pode leva-las à violência.

Das autoridades desconhecem-se ações práticas e preventivas contra possíveis tragédias, sabendo-se, entretanto, que sairão impunes, em contrapartida à crucificação da vítima de som abusivo, que der resposta violenta ao agente do mesmo abuso.

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