Maldade política por trás do vício

18 de Novembro de 2011
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Assustam-se autoridades com dados estatísticos relativos ao consumo do crack, em todo Brasil, com graves consequências, de todos os aspectos, para a sociedade, de modo geral. Não se sabe por que a surpresa quanto ao avanço do crack, verdadeira praga que, além das capitais, onde se trava a guerra contra as grandes organizações criminosas responsáveis por sua disseminação, chega aos pontos mais distantes do país, corrompendo a malha social das pequenas comunidades. E, pior, por sedução da juventude, até mesmo da infância, créditos com que conta a nação para seu futuro.

Só não viu, não leu e não ouviu advertências sobre o surgimento do crack quem não quis. Desde o início, sabia-se que a droga seria de fácil disseminação neste país carente de tudo, especialmente entre jovens, àquela altura, já dissociados da autoridade doméstica; sabia-se do seu poder de criação da dependência química, em níveis extremos, a ponto de o viciado desprezar a vida. Especialistas, ao comparar o crack com outras drogas conhecidas, discorreram sobre seu poder, incrivelmente, devastador sobre o organismo humano e previram o que poderia acontecer com seus usuários. A imprensa, por sua vez, divulgou as informações ao grande público e alertou as autoridades sobre o novo perigo a rondar a sociedade. Os que deveriam sair à frente, na luta contra a nova ameaça, fizeram ouvidos de mercador, fingiram não ter visto e, se leram, não deram importância ao escrito. Estavam ocupados demais com eleições, pois, embora se realizem de dois em dois anos, em esferas diferentes, a eleição seguinte já toma o tempo de políticos, tão logo se desligam as urnas do pleito mais recente. Logo após os resultados, em defesa de um lugar no poder, ou à sua sombra, pode ser até que recentes arquiadversários, à vista do povo, já estejam de mãos dadas em busca dos votos quatro anos mais tarde. Diante dos interesses nacionais e necessidades da população, conjuminâncias político-eleitoreiras são mais importantes e não cedem lugar nas discussões em torno de quem, como e quando deve ter o controle do poder. Da mesma forma, porém sob diferente ângulo, os que vivem do comércio de entorpecentes não veem, à sua frente, outro interesse que não o dinheiro, contra tudo e contra todos, não lhes importando a lei e muito menos a ética.

O crack não chegou de surpresa ou criou seu mercado de uma só vez. Infiltrou-se, sutilmente, como a erva daninha no cultivo da terra, sob os olhos negligentes do agricultor que, aos poucos, deixa sua plantação ser abafada pela praga. É nesse campo propício, descuidado pelas autoridades, que empresários bem sucedidos afundam seus negócios, perdendo-se antes sua dignidade, o respeito dentro da família e do círculo social, afetando a todos em seu entorno. Também a mulher, de classe média, dispõe de todos seus bens móveis, para investir no sustento do vício, só não perdendo a mansão em que mora, impedida legalmente de vendê-la na condição de mãe de menina adolescente. E aqui, se mostra a ironia do destino e da situação. A menina de quatorze anos, a mais provável vítima sob a avaliação, não só dos traficantes como também de especialistas do comportamento humano, é que luta e parte em busca de todos os recursos, para salvar sua mãe das garras do vício. Exemplo do efeito cruel do crack entre as crianças se fez, recentemente, quando a necessidade da droga falou acima de todos os pensamentos e sonhos que povoam a mente de um menino de treze anos. Sem como adquirir a droga e contrariado pela mãe que lhe nega dinheiro para tal fim, ele se lança, de facão em punho, contra ela; só não a mata porque é contido a tempo por terceiros. Ao contrário do que, talvez, imaginassem os detentores do poder, o crack não envolve tão somente a população marginalizada, abandonada à própria sorte e poder dos narcotraficantes. Ele domina a todos, independente da classe social, bastando haver a primeira ocasião.

O crack, em nenhum momento de sua cruel história, assim como nenhuma outra droga, é associado ao trabalho, classificado como estimulante ao trabalhador, aumentando-lhe a produtividade. Soa, portanto, muito estranha a informação de que usineiros, no interior de São Paulo estariam a induzir cortadores de cana ao uso crack, para que possam prolongar a jornada de trabalho. Políticos receberam as denúncias, durante visita a diversos municípios paulistas, mas não as comprovaram antes de levar o assunto à discussão. Sob circunstâncias semelhantes, a mesma informação e, curiosamente, na mesma data, vem do interior de Alagoas. Pergunta-se que empresário é, suficientemente, louco para estimular o uso ou distribuir crack entre seus trabalhadores, sabendo-se que o uso continuado do crack causa perda de peso, aumenta o risco de infecções, e, o usuário pode apresentar quadros de psicose, agressividade, paranoia e alucinações, tudo isso incompatível com o que se espera de empregado em sua jornada de trabalho. Isso é o que dizem especialistas e é reconhecido pelos que acolheram as denúncias. Se verdade, o que é improvável pelas razões expostas, parte da culpa cabe à própria classe política, à qual pertencem os repassantes da informação, que não cumpriu seu dever de impedir que a droga encontrasse tão fácil guarida no território nacional. Contudo, o fato merece reflexão sobre quais interesses estariam por trás da discussão criada, ou quais as verdadeiras razões, que sugerem maquinações nos bastidores com vistas a outros objetivos.

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