O destino do Dom Bosco continua em discussão

10 de Dezembro de 2014
Jornal O Liberal

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Mauro Werkema

O que a Ordem Salesiana pretende fazer com o Dom Bosco, prédio histórico de quase 600 hectares de terras valiosas, às margens da BR-356, entre Ouro Preto e Itabirito? Esta é a indagação fundamental mediante o ganho de causa aos salesianos na Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual, que solicitava a devolução da propriedade ao patrimônio do Governo do Estado, alegando que a Ordem Salesiana descumpria a destinação de uso do imóvel, que recebeu em 1893 do então governador Afonso Penna, com o objetivo indesviável de criar e manter uma escola. A ação do Ministério Público ocorreu após ter chegado ao conhecimento público que os salesianos, sem avisos ou consultas à sociedade ouro-pretana e de Cachoeira do Campo, haviam vendido a propriedade, por R$ 20 milhões, a um consórcio de empresas imobiliárias de Belo Horizonte, que chegaram a anunciar a implantação de um condomínio fechado de alto padrão no antigo Dom Bosco. Com a intervenção do Ministério Público e mobilização do movimento “O Dom Bosco é Nosso”, a venda foi desfeita.

Ocorre, também com certa surpresa para os que não tinham conhecimento pleno do processo, que os salesianos, espertamente, haviam conseguido, em 1964, em pleno regime pós-golpe militar, uma doação realizada pelo então governador Magalhães Pinto, com aprovação prévia da Assembleia Legislativa. Os salesianos, reconheceu a juíza Letícia Drummond, em sentença estritamente técnica, são proprietários de pleno direito, sem qualquer cláusula condicionante da destinação de uso. Poderiam, enfim, como afirmou a juíza, realizar a venda ou praticar qualquer outro uso do imóvel e terrenos. Não podem, apenas, desfigurar o antigo prédio, que foi tombado há cerca de 30 dias pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, que reconheceu seu valor histórico e a necessidade de sua preservação, conforme parecer que justificou o tombamento.

O Ministério Público, com apoio da Promotoria de Ouro Preto, promete recorrer. Se a sentença da juíza é tecnicamente correta quanto à propriedade, incorre, no entanto, na falta da visão cultural quanto ao imóvel e sua vinculação ao processo histórico de toda a região. O antigo Quartel do Regimento de Cavalaria da Colônia tem longa trajetória e sediou fatos importantes da História de Minas. Tiradentes pertenceu a este Regimento. Seu comandante foi o tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, também inconfidente, degredado para a África. Visitaram o imóvel dom Pedro I, em 1822 e em 1831, como também dom Pedro II em 1881. Foi propriedade da Capitania e do Império. Por um século sediou a famosa Escola Dom Bosco, que formou milhares de alunos. Foi também escola agrícola. Um esquadrão de cavalaria, a pedido de Dom Pedro I, em 1822, o acompanhava na viagem de retorno a São Paulo quando foi proclamada a Independência. Manteve uma fábrica de armas. A Polícia Militar de Minas confirma que sua origem está no quartel de Cachoeira do Campo, que foi implantado como tal em 1776 pelo então governador Antônio de Noronha.

Com documentos ou não, a propriedade é histórica e valiosa. A UFOP, em manifestação por escrito ao Governador do Estado demonstrou seu interesse em receber o imóvel e implantar nos terrenos um parque tecnológico, aproveitando pesquisas pioneiras das suas escolas e laboratórios. E a PM pensava em implantar um museu, com sua história e peças antigas. Já o promotor Marcos Paulo de Souza Miranda manifestara sua proposta em que a UFOP instalasse um curso e laboratórios de restauração de bens móveis e imóveis, o que seria de grande utilidade para as cidades históricas mineiras. Enfim, não pode tal imóvel servir apenas a construtores ou especuladores imobiliários. Discute-se o que será melhor para a região, um novo e rico conjunto residencial ou uma extensão da Universidade, com criação de empregos de maior valor e realizando a desconcentração urbana de Ouro Preto, onde a UFOP já não tem mais áreas para sua expansão?

Mas, afinal, o que pretendem os salesianos ao se apegar à propriedade, que não cumpre mais a finalidade para a qual ganharam este valioso patrimônio? E que receberam recursos públicos para manter a escola. Será que pretenderão reativar o negócio da venda ou têm novos planos? Durante o processo, eles tentaram um acordo, partindo o terreno, mas ficando com grande parte. E a comunidade de Cachoeira do Campo, o que gostaria que fosse feito com o Dom Bosco, que afinal, também lhe pertence, à sua história e às suas terras? É possível prever uma batalha judicial, já em segunda instância, sobre o Dom Bosco, já não tanto ou somente sobre a propriedade, mas sobre seu valor histórico e cultural para Minas Gerais, para Ouro Preto e Cachoeira do Campo, como também como opção de expansão da UFOP e o museu da Polícia Militar. De qualquer maneira, a decisão da juíza é, ao mesmo tempo, uma surpresa e uma decepção para aqueles que veem no Dom Bosco uma missão cultural, integrada à vocação turística da região, à qual se liga historicamente.

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