O mundo em casa I

16 de Junho de 2015
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Pode-se dizer que, na transição entre o século dezenove e o século vinte, teve início também a transição do animal como meio de transporte para a máquina automotiva, graças ao desenvolvimento da mecânica aplicada no setor, desde o surgimento do motor a vapor e, posteriormente, do motor a explosão. Acrescente-se, ainda, a invenção do avião, ao início do século vinte, que separou, definitivamente, a era do homem preso ao berço (terra natal) da era do homem solto no mundo. Os meios de transporte saltaram então das quatro patas para quatro rodas e ainda ganharam asas, para não ficar presos ao chão. O combustível, antes, milho e capim, passou a ser o petróleo.

Imagine-se como ficou a cabeça do homem comum, não afeito a tantas mudanças! De repente, em lugar do cavalo e do burro, sem se esquecer do carro-de-bois, surgem o automóvel e o incipiente caminhão, prontos para vencer distâncias absurdas em tempo diminuto, transportando mais pessoas e carga mais volumosa. E, no ar, a máquina se ergue a desafiar a gravidade e a desbancar a superioridade do condor do Andes. No campo emocional humano, não demora muito, a surpresa cede lugar à preocupação pela sobrevivência de cada indivíduo no setor de transporte, que abrange múltiplas atividades correlatas e de apoio. Estava claro que a forma como se fazia o transporte, havia milhares de anos, seria alterada. E, de fato, não de imediato, mas ao longo de anos, tudo se alterou; profissões antigas deram lugar a outras; atividades desapareceram, outras surgiram.

Quem vê os audazes caminhoneiros e suas possantes carretas articuladas, a transportar dezenas de toneladas de mercadorias, nem imagina que isso já foi feito pelos tropeiros e suas tropas, por trilhas tortuosas e perigosas. Desapareceram os tropeiros, as tropas, os muitos apetrechos usados na montaria e no animal de carga; desapareceram os fabricantes desses apetrechos e até o proprietário rural, que vivia do aluguel de pasto, teve que arrumar outra atividade. No rastro deixado pelos tropeiros e suas tropas, surgiram os motoristas e seus ajudantes; como suporte a eles, formaram-se mecânicos. E para fabricar os veículos, milhares de operários especializados lotaram grandes fábricas. Em lugar das trilhas surgiram rodovias asfaltadas, dotadas de postos de abastecimento e hotéis, que substituíram as rústicas estalagens nas trilhas. Estes são apenas os casos mais visíveis, porque inúmeras outras atividades, profissões e funções surgiram e se desenvolveram em torno dos novos meios de transporte, sem falar nas atividades petrolíferas, responsáveis diretas pela propulsão dos veículos.

Chegando ao final do século vinte, novas transformações, desta vez na área das comunicações e da automação com avanço da informática, surgimento e proliferação do computador pessoal. A transição para o século vinte e um se fez sob o fechamento de muitos postos de trabalho mediante informatização dos serviços administrativos e introdução, nas indústrias, de equipamentos computadorizados capazes de realizar as tarefas de vários indivíduos, em menor tempo. Mas, a máquina não substitui tudo! Daí o surgimento de novíssimas profissões e outras atividades, em todos os campos, com destaque para a internet, a rede acusada de isolar o indivíduo e, paradoxalmente, a mesma que o induz à integração. A nova revolução pela qual passa a humanidade é baseada nessa integração, em que a proximidade física dá lugar à proximidade das intenções e dos fazeres, tornando possível a participação antes inalcançável para a grande maioria. Possibilidades surgem e se ampliam, não importa onde esteja o indivíduo que as busca, porque o espaço físico deixou de ser barreira à troca de impressões e de experiências, à disseminação do conhecimento, ao aprendizado e, sobretudo, à prática do comércio. Grandes bibliotecas estão à disposição do internauta, também importantes museus recebem visitantes, sem qualquer custo; cursos de quase tudo são oferecidos a quem queira aprender ou se aprimorar, por preços acessíveis; por meio de fotos e vídeos, conhece-se, praticamente, o mundo todo; ouvem-se os melhores concertos musicais e, filmes, grandes sucessos de bilheteria, podem ser vistos a qualquer momento. Mediante programas especiais, previamente instalados, localizam-se pessoas, desde que se conheçam alguns de seus dados pessoais. E permanece desconhecido quem quer, porque diversas redes específicas se incumbem de propalar ao mundo sua imagem e perfil social; muito diferente quando o indivíduo nascia e morria conhecido apenas pelos de sua aldeia.

Concluindo: se a revolução pelo transporte mecanizado levou o homem ao mundo, a revolução pela internet está a trazer o mundo para dentro de sua casa.

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