O ônus da subserviência

17 de Janeiro de 2011
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Diretores e músicos mais antigos de corporações musicais (especificamente “bandas”, antes que o termo fosse arrebatado por qualquer dupla de pandeiro batido com a bunda e guitarra desafinada) sempre se queixaram do desapreço, descaso, com que são tratadas ou, pior, do esquecimento a que, muitas vezes, são relegadas. O município de Ouro Preto que, ao lado de Mariana, detém o maior número delas no estado, incluindo-se duas entre as mais antigas do Brasil - fundadas ainda sob a monarquia - deveria ser o mais destacado entre os oitocentos e cinquenta e três no apreço, valorização e ações de preservação das corporações musicais. É que Ouro Preto, como capital da província, antes da República, era o polo irradiador da música, razão pela qual a maior parte e as mais antigas delas estão situadas num raio de cento e cinquenta a duzentos quilômetros. Mas, não é o que acontece, embora se tente mascarar o descompasso entre a política cultural e a atuação das bandas de música com sede no município.

Atualmente, nove são registradas, em plena atividade, e duas se organizam, em tentativa que comunidades fazem para preencher espaços deixados por duas que se extinguiram anteriormente, vítimas do desleixo cultural generalizado. Entretanto não contam com o mínimo que merecem por seu trabalho no município.

Mediante voluntariado dos músicos, elas participam de eventos, os mais diversos, com destaque para os de natureza religiosa de confissão católica. E para que isso aconteça de forma continuada, ao longo dos anos, cada banda tem sua escola gratuita de música, por meio da qual prepara instrumentistas que, integrados às fileiras, têm oportunidade de se tornar melhores cidadãos mediante a prática do companheirismo, confiança mútua e disciplina, o tripé de sustentação moral do grupo. Por aí se vê que a banda é também escola e como tal deveria ser vista, considerada e amparada. E esse amparo que se pleiteia não é a sua sustentação, pura e simples, de cunho paternalista, porém mediante leis que lhes garantam condições mínimas na caminhada com suas próprias pernas, embora outras entidades culturais e não filantrópicas, como as próprias bandas de música, recebam polpudas verbas.

Aproxima-se o carnaval e, dentro em pouco, as escolas de samba serão contempladas com significativas subvenções, para empreender o desfile anual na Praça Tiradentes. Quanto às bandas, que nada recebem da prefeitura e atuam durante todo o ano, alega-se ser inconstitucional a subvenção. Mas, só no município de Ouro Preto? Já se disse também que as bandas seriam desorganizadas. Como? Estão devidamente registradas, cadastradas nos órgãos competentes e geridas por diretorias regularmente eleitas. Teriam que ser representadas por associação específica. Criou-se então a Associação das Bandas de Música do Município de Ouro Preto-ABAMMOP, mas não surtiu efeito prático, aventado pelo próprio poder público. A orientação dada, em seguida, seria o cadastramento no Conselho Municipal de Cultura. Aí, o direito das bandas, no município, empacou de vez porque o tal conselho não funciona. Apontam a porta de entrada, mas a mantêm fechada! Em administração politicamente oposta à atual, adotou-se esquema em que a prefeitura assume o pagamento por participação das bandas em eventos promovidos por terceiros (eventos religiosos). Nitidamente catador de votos e predador da criatividade popular, o esquema se revelou extremamente cruel para com elas que, quando recebiam da prefeitura, era quase um ano depois. Grande parte dos serviços não foi paga. Da nova administração esperava-se a extinção do esquema, mas o que se viu foi sua consolidação. E eis a brutal incoerência. É inconstitucional subvencionar as bandas, mas, não o é pagar-lhes pela participação em eventos promovidos por terceiros, que deveriam ser os responsáveis pelo pagamento! Felizmente, no ano passado, as participantes do esquema – quase a totalidade – receberam pelo que realizaram, mas muito prejuízo tiveram em anos anteriores.

Quanto a eventos oficiais voltados para as bandas, a exemplo de outros municípios, nada se fala, embora o secretário de Cultura e Turismo seja músico. Política de preservação, promoção, aprimoramento e estímulo às bandas de música simplesmente não existe no município de Ouro Preto! Mas, a culpa pela situação o poder público divide com as próprias bandas, cujos diretores, conservadores e acomodados, abaixam a cabeça e engolem tudo. O medo de assumir posição contestatória diante do poder - característica marcante no brasileiro - assume papel preponderante na subserviência das bandas de música à vontade estranha aos seus próprios interesses, que a ABAMMOP encarna e pretende defender.

Em meio a tudo isso, uma das bandas ouropretanas é lembrada por amigos do alheio: a Sociedade Musical Santarritense, do distrito de Santa Rita de Ouro Preto, teve sua sede “visitada”, uma semana, antes do Natal, ocasião em lhe furtaram onze instrumentos. Instrumentos musicais, neste país, são de difícil venda e entre os furtados há alguns específicos de banda. Por que, por quem e para que foram furtados? Embora inusitado, o fato não mereceu atenção da imprensa e só foi divulgado mais de vinte dias depois, o que certamente contribuiu para facilitar aos ladrões a consumação dos seus objetivos.

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