Os 200 anos da morte de Aleijadinho de Vila Rica

24 de Novembro de 2013
Jornal O Liberal

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Mauro Werkema

Em 1928, Mário de Andrade publica “O Aleijadinho e sua posição nacional”. Mário viera a Ouro Preto, Tiradentes e São João del-Rey na Semana Santa de 1924 liderando caravana de modernistas. Antes, em 1919, viera a Mariana em visita ao poeta simbolista Alphonsus de Guimarães. O artigo revela ao Brasil o artista ouro-pretano. Em 1963, Germain Bazin, conservador-chefe do Museu do Louvre, Paris, após viagem a Ouro Preto, publica “O Aleijadinho e a escultura barroca no Brasil”, que lança mundialmente o artista. Bazin diz que Aleijadinho foi o último grande escultor do mundo ocidental: “Nos últimos anos do século galante, num país perdido do outro lado do Atlântico, um mestiço produz esta obra sublime, a última aparição de Deus evocada pela mão do homem”. Hoje, extensa bibliografia examina vida e obra do artista, nascido em Ouro Preto, então Vila Rica, em 1738 e morto a 18 de novembro de 1814, sepultado no altar de Nossa Senhora da Boa Morte, na Matriz de Antônio Dias. Ano que vem, portanto, estaremos celebrando 200 anos da sua morte.

Foi nas cidades históricas de Minas, especialmente numa decadente mas preservada Ouro Preto, que os modernistas descobriram as raízes de uma cultura brasileira, “capaz de fornecer uma gramática, senão uma preciosa sintaxe do modernismo brasileiro”. Nos casarões adaptados aos materiais locais, nas soluções construtivas próprias e nos gostos dos artífices, nas fachadas e talhas das igrejas, nas esculturas e ornatos, nos altares e púlpitos cobertos de ouro, descobriram o “Barroco Colonial Mineiro” e muitos artistas, destacando-se entre todos Antônio Francisco Lisboa, hoje Patrono das Artes Plásticas Brasileiras. E que, não só por sua obra, de escultor, entalhador, ornamentista, em pedra e madeira, mas também como arquiteto, autor de “riscos” e desenhos, como ainda por sua vida e seu intenso martírio, é o exemplo maior da arte que se produziu em meio ao excepcional surto artístico que o Século XVIII nos legou.

Tanto quanto o fenômeno artístico do Século XVIII mineiro, vida e obra de Aleijadinho ainda hoje são matérias de muito estudo e discussão. Discute-se o tipo de sociedade que se formou em Vila Rica, produto do caldeamento de etnias, em meio inóspito e conflitivo, vigiada pelo autoritarismo português, num sistema urbano nascente, submetida a uma religiosidade da contra-reforma, que produziu um “homem dividido entre o céu e a terra, entre a visão das Sagradas Escrituras e o Iluminismo nascente”. É neste “cadinho sociológico” que nasce Antônio Francisco, de pai português construtor e mãe escrava. Sua obra já revela seu tormento, não só por esta herança histórica mas por sua condição humana e social e, mais ao fim da vida, pela doença e a necessidade de manter seu trabalho, seu meio de vida. E que não lhe grangeou fortuna pois morreu pobre, quase desamparado.

Aleijadinho conviveu com revoltas contra o regime colonial da Metrópole, com a derrama e a exaustão do ouro e com a Inconfidência Mineira de 1789 e, certamente, conheceu vários inconfidentes. E criou obra com personalidade distinta, com refinado desenho e acabamento, deixando criações que já se classificam, na sua fase final, como do estilo rococó. Fundamental ainda, na sua obra, como diz Orlandino Seitas, é que “vemos, quer nas esculturas, quer na arquitetura, um abrasileiramento que em Minas se produz, consciente ou inconscientemente, prenunciando, acompanhando e reafirmando um nacionalismo que, em termos políticos, foi expressado na Inconfidência”. Já Celso Kelly, estudioso da sua obra, diz que “sob o impulso de forças mais poderosas que a convenção e o conformismo, foi um desbravador de caminhos, bandeirante como os fundadores de Vila Rica, não nas picadas do sertão, porém nas atrevidas soluções artísticas que são hoje o verdadeiro ouro das antigas cidades da mineração”.

Mais do que sublime artista, Aleijadinho é ícone de uma época, do momento de desbravamento e ocupação do território interior do Brasil-Colônia, que fez surgir sociedade com características singulares, plasmada em sincretismo cultural único e que produziu arte hoje elevada à categoria de Patrimônio Cultural da Humanidade (UNESCO/1980). Temos, nos mineiros e brasileiros, que estudar, conhecer, difundir e preservas esta nossa riqueza, nosso patrimônio maior. Antônio Francisco Lisboa merece ampla comemoração.

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