Uma santa olhando por nós

08 de Dezembro de 2013
Jornal O Liberal

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*Rodolfo Koeppel

Até há alguns anos era possível subir até o alto do Pico do Itacolomy. Era emocionante. A grande pedra tem uma fenda imensa no meio, com mais de 80m de altura e uns 4m de largura. Era atravessada por dois trilhos de aço, onde só os mais fortes se aventuravam. Havia algum risco. Os estudantes de Ouro Preto tinham um desafio: atravessar os trilhos, em pé. E valia mais ainda se estivessem bêbados. Os mais fracotes, como nós, atravessavam arrastando-se, sentados, sobre os trilhos sempre presos numa corda de segurança. Infelizmente, há alguns anos, vândalos jogaram os trilhos lá do alto e hoje não se pode mais subir até o topo.

Também, sendo hoje um Parque Estadual, existem regras e restrições. Éramos mais livres e irresponsáveis, no passado. Mas não consta haver registro de nenhum acidente por lá, salvo uma vez que caímos num buraco e quebramos a perna...

Depois, antes da criação do Parque, começaram os assaltos. Vários amigos levaram tiros. Era o mundo moderno, que havia chegado ao topo do Itacolomy. Assim, perdemos a oportunidade de retornar a um dos lugares mais bonitos de Minas Gerais.

Nos anos 1960 um grupo de escaladores do Rio de Janeiro veio muitas vezes do Rio para escalar o Itacolomy. Íamos juntos, tendo momentos inesquecíveis de amizade. Subimos ao topo, pela via normal, a primeira vez, em 1964. Como dizem os americanos – “once and for all” – uma vez e você nunca mais esquece! Anos depois, em 1974, um grupo de amigos de Belo Horizonte terminou esta via de acesso. Denominamos a via como “Via do Paulinho”, uma bela escalada em negativo, com chaminés e paredões, em homenagem a um grande amigo que faleceu jovem. Era diabético. Os grampos estão lá, como também uma placa que colocamos em sua homenagem. Foram momentos muito emotivos. E viver é ter emoções.

Fomos dezenas de vezes escalar as pedras na região. Ficávamos lá muitos dias pois mesmo lá no alto existe uma gruta com água boa. A vista sobre Ouro Preto e sobre a Serra do Caraça é fantástica. E, sendo mais jovens, nos divertíamos arriscando a conquista de novos locais.

Mas jamais nos esqueceremos da “Santa”. Em sua homenagem, batizamos a face do Itacolomy que se vê de Ouro Preto como o “Paredão da Santa”.

É uma face bem exposta, perigosa. Lembro-me de ter visto um martelo para colocação de grampos cair lá do meio da parede. Era um final de tarde, lindo, ventava muito. Fiquei imaginando como seria uma queda nossa... Só conseguimos subir até o topo, depois de muitas tentativas, pois tínhamos, no nosso grupo, um gato francês, que subia em qualquer parede, Monsieur Bernard Gastelois.

E lá no alto, quase ao final da escalada, num nicho, encontramos uma imagem sacra, uma “Santa”. Quem teria colocado isto lá? Há quanto tempo? Como teriam subido até o local, de acesso tão difícil e arriscado? Mistérios de Ouro Preto...

Deixamos a imagem lá, para que, como sempre, continuasse a olhar para Ouro Preto, lá embaixo, no Vale do Tripuí e proteger-nos eternamente.

Passear no Parque do Itacolomy, que tem lindos caminhos e riachos, conhecer a Fábrica de Chá, para o que importamos famílias chinesas é algo que vai lhe trazer bons momentos. E só de bons momentos deve ser feita a vida, já nos ensinou o poeta.

*Morador de Glaura e convive em Ouro Preto a mais de meio século. Está organizando, na região, o programa TOP – Trilhas de Ouro Preto. Faça contato e/ou veja mais informações em www.trilhasdeouropreto.org

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