Ouro Preto: Engolindo sapos político-religiosos

18 de Novembro de 2013
Jornal O Liberal

Jornal O Liberal

Rodolfo Koeppel (*)

Nossa história é cheia de ações em defesa dos interesses locais. Por caminhos tortuosos tivemos momentos de forte união cívica na defesa de nossos valores. Os portugueses e os paulistas de antanho que o digam! Emboaba que se prezava não levava desaforo para casa...

Porém, gostaríamos de relatar aqui duas situações em que isto não ocorreu. E que, por razões outras, fora do nosso controle, acabaram sendo coisas boas. Ainda bem... Mas por pouco e/ou por longo tempo, que tragédia!

Engolindo sapo político: há mais de 70 anos, num momento de inspiração poética, os vereadores de Ouro Preto decidiram mudar o nome de alguns distritos. Será que pensaram em mudar o nome de Ouro Preto, por exemplo, homenageando Tiradentes, para “Xavierópolis”? Ideias deste tipo você dá para outros, longe de você... Assim Casa Branca passaria a se chamar Glaura, São Bartolomeu se chamaria Dorotéia, e outros distritos teriam nomes de outras musas e “musos” da Inconfidência. Pois bem.

Alguns distritos não engoliram o sapo e houve muita discussão. Por isto São Bartolomeu continua lá. Mas Glaura, na época, engoliu o sapo. Deixou de ser Casa Branca, mas 60 anos depois ainda não era Glaura. Há apenas 12 anos, quando nos mudamos para Glaura, era incrível como ninguém na região conhecia Glaura. E veja que Glaura é um nome muito bonito, retirado de um poema de Alvarenga Peixoto, escrito em 1789.

Queríamos que Glaura tivesse um lugar ao sol, pois é uma região muito bonita, com muita gente boa e com muita história. Mas, se dissemos para amigos que viessem nos visitar em Casa Branca, todos eles iriam para Brumadinho. Sim, por que uma localidade dali ocupara toda a imagem de sonho dos belo-horizontinos. E não queríamos que errassem o caminho. Assim, aos poucos, fomos divulgando o nome de Glaura. E que hoje é um nome comum. Agora temos duplo prazer: gostamos muito de Casa Branca, mas amamos a nossa Glaura.

Engolindo sapo religioso: fomos visitar a magnífica reforma que se faz da Igreja Matriz de Cachoeira do Campo. Um trabalho de muito amor, de muita competência técnica e artística, que vem sendo feito há mais de dois anos por uma equipe excepcional, muitos deles jovens formados pela FAOP, o que é algo sensacional. O trabalho de recuperação ainda vai demorar, talvez, mais uns dois anos, tal a dimensão do que ali se faz. Mas depois, certamente todos, sem exceção, não mais reconhecerão a Igreja que conheceram, nos últimos 70 anos.

Infelizmente, também neste caso, uma omissão da população fez que durante sete décadas, uma coisa maravilhosa ficasse escondida. Veja o que aconteceu: a Igreja é magnífica! Além das esculturas nos altares, tem pinturas espetaculares e praticamente todas esculturas, altares e pilares são cobertos de ouro.

Ouro? Pinturas espetaculares? Onde? Perguntarão alguns moradores... Nunca vimos! O que aconteceu por lá: o padre mandou pintar tudo, sem exceção, tudo mesmo, com uma tinta cinza-anil. Tudo desapareceu sob este manto cor de nuvem. Mais adequado para os anjinhos? Será que tinha medo de ladrões? E parece que ninguém reclamou. E durante sete décadas foi uma Igreja meio triste, meio cinza... Quando a beleza das cores é espetacular!

Agora, a equipe de especialistas está retirando este véu e descobrindo maravilhas – não só as aplicações em ouro, mas as pinturas. Sob a “tinta cinza do padre de 70 anos atrás” há coisas impressionantes. Ao longo de 300 anos, várias versões de pinturas existem e vão sendo recuperadas. Os técnicos do IPHAN estão decidindo até que nível revelarão as belezas do passado. Muita cor, muito ouro, muita beleza! Não tivessem os cupins nos ajudado, a Igreja não estaria sendo recuperada. E mais algumas gerações jamais conheceriam estas belezas únicas.

Retornando ao ponto inicial, por que não temos uma postura de participação ativa na nossa comunidade, nas coisas que afetam a todos, no bom e no mau caminho? Ou gostamos de engolir sapos por gerações e gerações?

Basta observar a recomendação poética de Silva Alvarenga: “Se queres ter ventura, à bela Glaura enternecer procura”. Se você não é de Glaura, mas de Amarantina, de Cachoeira, do Leite, de Rodrigo Silva, de Santa Rita ou de qualquer outro distrito de Ouro Preto, apenas substitua o nome de Glaura na recomendação acima. Pratique o que se recomenda. E seja mais feliz onde mora!

(*) Morador em Glaura e está organizando o projeto TOP – Trilhas de Ouro Preto – vide www.trilhasdeouropreto.org

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