Outro perfil para o brasileiro

29 de Abril de 2015
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

O Brasil, país grande, bobo e irresponsável, é tema de muitos estudos, todos de fala muito erudita, por isso mesmo fora do alcance do povão que, mal e muito mal, lê apenas manchetes de jornal, assim mesmo em se tratando de futebol. Logo, o povo brasileiro, que pouco sabe, muito menos sabe sobre si próprio, o que pouco importa aos autores ou convém aos que os (os estudos) encomendam. O povo ficaria triste, se consciência tivesse de sua realidade mais profunda, ou o que vai por baixo de suas exteriorizações coletivas, canalizadas para o que se convencionou chamar orgulho nacional.

Quando as escolas de samba, por algumas horas prendem a vida brasileira, nivelando teoricamente os desiguais, o indivíduo se eleva aos píncaros do orgulho coletivo e, ali, se considera privilegiado, o mesmo acontecendo nos estádios de futebol, ainda que à custa de sangue, talvez por isso, a partir da Copa, os tenham chamado arenas, sucessoras do Coliseu de Roma, no sacrifício de humanos. Nesses dois momentos, o brasileiro tem voz e ação próprias, exercendo esse “direito” em toda plenitude para, em seguida, encapsular-se em seu verdadeiro mundo onde, na maioria das vezes, sua palavra é a última que conta e quando conta.

Cantado em prosa e verso como alegre, cordial, solidário, inventivo, o indivíduo brasileiro tem essas qualidades apenas como fachada, na hora que lhe convém, ou pior, que convém a alguém que não ele. O que prevalece é a subserviência, ou submissão, escandalosamente escancarada ou sutil como convém aos hipócritas. O tipo brasileiro, moldado sob a ótica do colonizador que, a tudo e a todos, deitava os olhos como propriedade sua, varou o tempo na condição de pau mandado e, hoje, sob pressão de todos os lados a exigir-lhe o exercício da cidadania, está mais perdido de que cachorro caído do caminhão de mudança! Nem sabe o que seja cidadania!

Ainda preso ao medo, que lhe impunha o elemento colonizador, o tupiniquim tem uma relação distorcida com o aparato estatal, não cumprindo a lei porque seja de seu dever cumpri-la, porém por temor à penalidade, que o descumprimento pode causar. Não acordou para a responsabilidade cidadã que, tal como a todo universo de cidadãos do país, o faz provedor de recursos que, teoricamente, sob a administração do estado, devem ser redistribuídos em serviços para toda a coletividade. Não percebe que, de toda estrutura do país, uma parcela, ainda que minúscula, provém de sua contribuição, o que o torna credor de direitos de um a lado e devedor de deveres do outro. Por não ter consciência de sua posição dentro da coletividade, sonega, descumpre a lei, corrompe, deixa-se corromper, não observa normas de civilidade e, a partir daí, faz do espaço público como se seu terreiro fosse. Comporta-se como se ainda em confronto com o colonizador, ao qual, segundo a lógica do colonizado, devia desobedecer e causar prejuízos, até fosse libertado para caminhar com as próprias pernas.

Curiosamente, tal tipo é o maior cobrador de direitos, ao arrepio do que pode ser justo e do que não pode, dentro do oba-oba formado pela patuleia festiva, ou longe de quem com autoridade deveria ouvi-lo, se coragem tivesse o reclamante. Diante de quem com o dever de ouvi-lo, baixa a cabeça, emudece e aceita tudo que lhe dizem, em clara posição de subserviência. Em movimentos coletivos, não assume posição e espera que alguém faça por si, sem que seu nome seja envolvido a não ser quanto a eventuais benefícios. Que ninguém necessite de seu testemunho, em busca da verdade, pois é sempre cego, surdo, mudo ou não estava presente aos fatos. Na posição inversa é possível que tente amoldar as palavras da testemunha às suas conveniências.

Infelizmente, esse é o tipo médio do tupiniquim, que se orgulha do sucesso nos golpes do joão-sem-braço, dos negócios à margem da lei, das vantagens levadas à custa do prejuízo de terceiros. Libertado de quaisquer peias à sua condição, no frenesi democrático dos últimos anos, é esse tipo que derrubou a plataforma da atividade política, à qual só deveriam ascender os éticos e mais capazes, para o exercício da verdadeira liderança, imparcial, envolvente e com visão focada no bem coletivo. É ele que tem nivelado por baixo a qualidade dos indivíduos, ditos cidadãos, candidatos e eventualmente eleitos para cargos dos mais importantes na vida do país; é ele também que, mal formado para a vida profissional e empresarial, esquece-se de sua responsabilidade maior diante da sociedade, como gerador de trabalho, e se envolve em escândalos de corrupção.

Políticos e grandes executivos não descem do céu como anjos; ascendem da mesma massa, que forma a nação, levando para suas atividades maiores os mesmos vícios ou virtudes, que caracterizam o cidadão mediano. Diante disso, cabe à base da sociedade, família e escola, fazer uma revolução com vistas à mudança do perfil brasileiro, porque se persistir nesse que aí está, este país nunca chegará a lugar algum.

Comments powered by Disqus

Newsletter

Acompanhe-nos

Encontre-nos no Facebook