Pisada em direito individual

19 de Agosto de 2015
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

O assunto já foi, por duas vezes, abordado em outra sessão deste jornal, mas por se tratar de um direito individual inquestionável, dele trataremos aqui também, para que fique bem clara nossa posição diante de pretendida imposição da vontade corporativa sobre o cabe a cada um decidir. Não se trata, aqui, de condenar o telefone celular, ou desconsiderá-lo, o que seria uma estultice diante dos inegáveis benefícios, trazidos por ele à comunicação pessoa a pessoa. Reconhece-se sua utilidade na democratização da telefonia, destacando-se ainda seu valor como ferramenta em ações de resgate, como já ficou demonstrado em inúmeras operações de ajuda a perdidos e socorro a vítimas de tragédias, em todo o mundo. Enfim, a engenhoca em si, bem utilizada, veio para aproximar as pessoas, facilitar e ajudar em todas as atividades.

O que complica e atrapalha é o mau uso, no tempo, espaço, ou por motivos fúteis, bem como o desuso, quando o uso é devidamente necessário. É assim que muitos acidentes de trânsito acontecem, porque enquanto dirige, o condutor conversa bobagens, ou mesmo coisa útil, por meio do celular; solenidades, aulas e reuniões de trabalho são prejudicadas pela intervenção inoportuna do mesmo aparelho. Em se tratando de trânsito, pedestres também têm a atenção desviada, enquanto falam ao celular podendo, com isso, sofrer ou causar acidentes. Mas, em contrapartida ao pecado do uso inoportuno, há também o desuso relacionado ao respeito e consideração devidos ao semelhante nos momentos mais necessários como, por exemplo, deixar de informar, previamente, cancelamento de compromisso agendado; deixar pessoa a esperar e não informar sobre não comparecimento a compromisso. A vulgarização do uso do celular chega ao extremo e ridículo da autoexposição pública, escancarando-se janela sobre coisas domésticas, que a ninguém mais interessa. Da surdo-mudez social, quando telefone era para poucos, passou-se à tagarelice incontrolada!

Embora dados estatísticos apontem aparelhos celulares em número superior ao da população brasileira, isso não significa que sua aceitação, posse e uso alcancem a unanimidade nacional. Poucos, muito poucos, verdade seja dita, formam a tribo dos “sem celular”, talvez a menor entre as minorias, mas igualmente merecedora do respeito quanto ao direito de opção. Entretanto, assim não pensam e não agem algumas empresas, entidades e instituições, que vinculam cadastro virtual, em seus sites, ao fornecimento de um número de telefone celular.

A mentalidade subserviente e acomodada, tupiniquim, não permite reclamação, protesto ou denúncia, razão pela qual, muitos abusos se cometem contra os direitos individuais e de cidadania. O brasileiro, de forma geral, não tem consciência dos seus direitos, não assume atitude em defesa deles e ainda se insurge contra aqueles que o fazem. Assim sendo, em lugar da reação aos abusos, existe a cultura do “deixa pra lá”, a pavimentar o caminho para mais abusos, como este, que vincula conclusão de inscrições e cadastros ao fornecimento de número de telefone celular. Contudo, não se esperava que tal imposição saísse do “virtualismo internético” e, tão cedo, invadisse a realidade quotidiana, amarrando os direitos das pessoas a exigências corporativistas, ainda que seja a título de pretensa segurança para aquelas.

Mas, é o que está a fazer, pelo menos, um estabelecimento bancário de destaque na área econômico-financeira do país. Quando inativo o sistema biométrico, a máquina passa a exigir o número do celular para o acesso com cartão, inviabilizando, dessa forma, a operação por parte de quem não possui o aparelho, indevidamente, exigido.

Não é porque, teoricamente, cem por cento da população seja portadora do dito telefone, que qualquer instituição ou empresa tenha o direito de a ele vincular acesso aos seus serviços. Não é porque a maioria tem o aparelho, que o direito de quem não o tem pode ser pisoteado! Ainda que todos, realmente, fossem portadores de celular, a exigência seria usurpação de um direito individual, ou seja, o direito de fazer ou não fazer alguma coisa, ter ou não ter alguma coisa.

É o que determina o inciso II, Art. 5º, Capítulo I - Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, da Constituição Federal: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Conclui-se, portanto que a vinculação de qualquer serviço ao uso do aparelho celular, é ilegal, é inconstitucional. A vinculação obriga, de forma indireta, a pessoa a ter o aparelho, cuja compra, posse e uso são opcionais, ou seja, não constituem obrigação por lei, de acordo o dispositivo constitucional citado.

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