Quando pau vira pedra

27 de Maio de 2016
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Ao longo do tempo, por uma série de fatores, palavras mudam seu significado, restando-lhe ao final pouco ou nada do significado original. Isso é normal e faz parte das transformações pelas quais passa a humanidade como um todo, num mundo cuja natureza também se transforma continuamente. Entretanto, verifica-se, na atualidade, tendência forçada à alteração do significado de muitas delas, chegando a provocar confusões na informação.

Percebe-se que por trás disso há algum interesse de natureza ideológica, na persecução de objetivos políticos. Outra explicação não há para alterar o que está correto, se não há alguma pretensão oculta, engendrada com propósitos conhecidos tão somente por quem os acalenta. Em alguns casos, troca-se um termo por outro de igual significado, como se o novo introduzisse situação mais favorável. Explica-se essa troca como mascaramento de uma realidade, que se quer mudada, porém se perpetua, embora muito se prometa. É o caso das palavras “pobre” e sua correlata “pobreza”. Sem quê nem pra quê, ficaram “proibidas” de serem empregadas para adjetivar pessoas de poucos recursos e sua situação socioeconômica.

Viraram “carentes” e “carência”, respectivamente! Pergunta-se: mudou a situação do carente “zé ninguém”, que nada possuía como “pobre”? Também as pessoas de idade avançada, de repente, não mais podem ser chamadas “velhas”, termo considerado ofensivo e degradante em relação aos agora “idosos” e “idosas”; e a velhice virou “terceira idade”, uma tremenda tolice. Pouca coisa mudou na situação dos mais velhos!

Mas, o foco principal está em outro ponto. Todo mundo sabe que favela é bairro constituído de construções toscas, distribuídas de forma desordenada, quase sempre destituído de infraestrutura básica. De uns tempos para cá, quando em referência a tais localidades passou-se a usar o termo comunidade.

Ora, comunidade é o grupo de pessoas que moram na localidade. Essa localidade tanto pode ser uma favela, quanto um condomínio de luxo, um lugarejo, uma cidade, etc. A natureza da localidade em nada afeta o caráter das pessoas que nela residem, razão pela não há demérito em residir em qualquer tipo de localidade. Deve ser mudada, sim, é a mentalidade preconceituosa, que vê como bandido o residente em favela e como santo o residente em condomínio de luxo, quando pode ser o contrário!

Uma localidade, de qualquer tipo, pode ser destruída (caso da localidade Bento Rodrigues/Mariana) mas não a comunidade, a menos que seja alvo de genocídio, infelizmente já executado em diversas partes do mundo. A comunidade pode ficar dispersa (caso das pessoas que residiam em Bento Rodrigues/Mariana), mas não se extingue, enquanto mantêm vivos os laços comuns (daí o termo comunidade). Ruínas de um local continuam a ser localidade, independente de a comunidade estar dispersa, alocada em outro ponto, ou, infelizmente, extinta.

Como já dito no início, a mudança de significado das palavras, gradual e de forma espontânea, ao longo do tempo, é coisa natural. Muitas das que, hoje, são conhecidas com um significado, no passado, foram conhecidas com outro. Exemplo clássico encontra-se na palavra “profeta”, que se diz de pessoa com o dom de predizer acontecimentos futuros. Na antiguidade, e a Bíblia o comprova, profeta era um sábio, portador da luz do conhecimento de inspiração divina. Como se depreende das escrituras era pessoa com a missão de orientar as populações sobre o bom viver, de acordo com os desígnios divinos, assim como são, hoje, os ministros religiosos. Vê-se que predição, vidência ou adivinhação nada têm com o significado original do termo “profeta”. Agora, uma curiosidade: ainda com o significado original, porém aplicado a função pública da época, o termo “profeta” é encontrado nos registros históricos da cidade de Ouro Preto.

Ao final do século dezenove, antes da proclamação da República, a iluminação pública da cidade era feita por lampiões a gás. Tais lampiões eram acesos, ao início da noite, por uma equipe de funcionários públicos, que recebeu o título de “profetas”, justamente por analogia com o significado original do termo, ou seja, “portadores da luz”. Podiam não ser dotados do conhecimento interior dos antigos profetas, porém lhes cabia a função de levar a luz física às ruas de Ouro Preto. O serviço de iluminação pública, na época, estava subordinado ao Barão de Saramenha, Carlos Gabriel de Andrade, que teve bisneto com o mesmo nome na trabalhar na prefeitura, nos anos setenta.

Comments powered by Disqus

Newsletter

Acompanhe-nos

Encontre-nos no Facebook