Rede Pela Vida: política municipal de enfrentamento às drogas

14 de Janeiro de 2014
Jornal O Liberal

Jornal O Liberal

*Israel Quirino

O combate ao uso abusivo de drogas, no âmbito das políticas públicas municipais, tem sido um luta desigual, muitas vezes pela falta de foco na atuação governamental, que ora alcança os programas de saúde, ora de assistência social, com ações basicamente voltadas para mitigação de danos, combatendo as consequências e aliviando as causas ou vice-versa. Nessa luta desigual o perverso mercado do vício e suas mazelas periféricas têm triunfado, apesar dos esforços e recursos investidos na sua contenção. A sociedade padece duplamente.

A ousada política municipal de enfrentamento à questão das drogas ao adotar um modelo intergovernamental de gestão do programa Rede Pela Vida persegue o propósito de erradicação do consumo de drogas, porém adota métodos e premissas variadas, objetivos definidos e ações ordenadas.

De início, não está na alça de mira da administração local a repressão ao comércio das substâncias psicotrópicas. Tais ações são de âmbito federal e estadual. A legislação determina que ao município cabem as ações profiláticas e terapêuticas. Basicamente prevenção e tratamento.

Com o programa Rede Pela Vida, tem-se um melhor direcionamento das ações aos objetivos da política municipal, de modo a priorizar resultados em etapas distintas de atuação: a prevenção, o tratamento, o apoio familiar, a reinserção social e o monitoramento do usuário em recuperação, conjugando esforços múltiplos de profissionais técnicos de várias áreas, somando ações de governo antes isoladas, e buscando alcançar a um objetivo comum. Por dedução lógica (e bastante otimista) se eliminarmos o consumo elimina-se o fornecedor em decorrência. A arma aqui é a informação, o acompanhamento, o apoio. Mão amiga.

Há que se ter a consciência de que a questão limite do enfrentamento às drogas não é, de modo isolado, a recuperação do usuário, mas o não ingresso, a prevenção. Recuperar é uma tarefa da qual não se pode abrir mão, mas exige um esforço muito maior. A porta de saída é uma quimera, mais uma esperança do que uma certeza, já que nenhum cientista ainda assegurou a sua existência. Ao contrário, estuda-se com frequência a reincidência, a recaída. Os casos frustrados são registros mais contundentes que os de êxito, muito embora não possa servir como razão de descrédito dos programas de tratamento ou de desânimo para os assistidos. Reverter as estatísticas é um desafio que motiva as políticas públicas ambiciosas.

Evitar a recaída seria, de imediato, um grande avanço nos programas de tratamento. Todavia, identificar as razões da recaída é outra tarefa bastante exigente. Questões sociais são mais evidentes: círculo de amizades, locais de frequência, ausência de horizontes ou esperanças profissionais são razões que sobressaem. Especula-se se há na recaída algum fator biológico que induza ao retorno ao vício. São incertezas. Muitas.

A eficácia do tratamento é colocada em dúvida por aliar a recuperação a fatores endógenos do usuário como a decisão de livrar-se do vício, a força de vontade, a fé. Tais fatores essenciais muitas vezes se obtêm com mudanças de comportamentos familiares, ambientes sociais renovados, propostas de inserção socioeconômicas consistentes que podem dar sustentação ao esforço do usuário para livrar-se do vício, religiosidade, afeto, oportunidades novas.

O usuário é um doente em potencial que adoece o universo em seu entorno. Familiares são as primeiras vítimas. Ao ingressar no mundo das drogas sacrifica-se de imediato o mundo real ao qual se vive, cerrando portas para relacionamentos afetivos, profissionais, sociais, escolares. Abrir, ou reabrir, tais portas é uma etapa essencial do processo de recuperação. Muitas vezes é aí que o processo se interrompe, no retorno, no reingresso à vida viva.

Por derradeiro, propõe o programa Rede Pela Vida monitorar o usuário em recuperação, por entender que a vulnerabilidade é permanente e o processo de livrar-se do vício é contínuo, a exigir atenção constante. O caminho está traçado. Sementes lançadas.

Não dá mais para tentar ocultar a dimensão e a gravidade do problema com falsos tabus ou preconceitos tolos. A esperança, não necessariamente precisa ser grande, basta que exista. Ela tem sempre o tamanho da vida.

*Coordenador do Comitê Gestor do Programa Rede Pela Vida no município de Mariana-MG.

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