T’esconjuro, IPHAN

04 de Fevereiro de 2014
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Mais uma vez, interrompe-se o bate-papo dos velhinhos, abrindo-se tempo e espaço para reclamação e protesto, enquanto se defende bem cultural local, assim como o direito de cada localidade preservar o que lhe convém, em consonância com sua própria história.

A comunidade cachoeirense se surpreendeu, recentemente, com nova investida do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN. Diz-se “nova investida”, pois, há mais tempo, a mesma petulância teve o órgão de, na tentativa de mascarar sua ineficiência quanto à preservação do acervo sob sua guarda, levantar-se contra o quase secular coreto, edificado quando ele próprio, o IPHAN, nem estava em cogitação de ser criado. Atitude semelhante já teve também contra o velho relógio da torre da igreja-matriz. Rechaçadas pretendidas intervenções, considerava-se superada a má intenção.

Mas, eis que, de repente, lá vem, novamente, o todo poderoso (porém ineficiente) IPHAN, de lança em riste contra o coreto, velho guardião postado ao lado da igreja-matriz de Nossa Senhora de Nazaré. Desdenhando o domínio da comunidade sobre o bem, que compõe a identidade cultural de Cachoeira do Campo, quer o IPHAN que se derrube ou mude de lugar o coreto que, de início, era apenas propriedade da Banda Euterpe Cachoeirense.

Entretanto o repudiado pelo IPHAN forma, atualmente, com a própria igreja-matriz e seu entorno, conjunto arquitetônico a celebrar o passado primevo, na era colonial, e o pós-independência, período imperial, com o surgimento das duas primeiras bandas de música de toda a região, ainda em atividade. É o elo entre o velho e o novo, entre o espírito religioso português, apontado ao céu pelas torres do catolicismo, e o espirito nacional nascente, por intermédio da música instrumental corporativa das bandas de música. É esse sincretismo cultural, registro das principais características do cachoeirense, a representar dois marcos importantes da história local, que o IPHAN pretende destruir a título de dar, ao turista, oportunidade de ver e registrar, em imagem, o templo histórico, de todos os ângulos possíveis sem a interferência, considerada inoportuna (pelo IPHAN, é claro) do coreto.

Preocupado com detalhes externos e supérfluos, não interferentes na essência do que representa o monumento religioso, dentro do acervo nacional, este é o mesmo IPHAN que, por tantos anos, deixou sua “tombada” quase a tombar, de fato, sob a ação do tempo, dos cupins e das intempéries, entre outros males; é o mesmo IPHAN que, ao início das restaurações, ora em curso, nem teria recebido os recursos para custeio das obras, ao contrário do largamente divulgado como parte do PAC das Cidades Históricas. À semelhança do marido traído foi o último a saber do dinheiro que o governo alardeava ter liberado para as obras, enquanto lideranças políticas municipais pisavam em ovos para tentar explicar o inexplicável ao povo.

Necessária se fez a mobilização da comunidade, que desaguou na viagem de líderes locais a Brasília, para se conseguir a retomada dos trabalhos, então paralisados por absoluta falta de pagamento. É este o IPHAN, que cuida da remela e se esquece dos olhos!

O coreto, em Cachoeira do Campo, além de compor com a igreja-matriz e simbolizar a cultura musical cachoeirense, detém a característica de ser o único de natureza privada, talvez, por isso ainda de pé.

E o curioso é que, nesta terra, quando se vai dar pum diferente, na praça, anuncia-se o pretendido por todos os meios, ou seja, faixas, cartazes, boletins, jornais, carros de som, rádio, televisão, considerando que este ou aquele veículo não é acessado por todos os indivíduos. A reunião (ou Audiência Pública?) para debater a questão foi anunciada tão somente na rádio local. E nem todos ouvem rádio! Não foram utilizadas nem as redes sociais, na internet, onde de tudo se fala e tudo se faz, até tentativa de desmoralizar pessoas. Assunto que se situa entre os mais caros sentimentos do povo cachoeirense, independente de facções de qualquer natureza, dá o que pensar sua discussão de forma resvalada ao secreto, evitando que grande parte dos interessados estivesse presente.

Volta-se a dizer: qualquer coisa de interesse público é, previamente, anunciada de forma até cansativa, não se compreendendo o porquê de o mesmo procedimento ter sido evitado na convocação de tal reunião. Seus idealizadores e organizadores dão aos ausentes, por não terem sido informados, o direito de pensar que não era para ser discutido o tema, porém imposta uma decisão goela abaixo.

T’esconjuro, vade retro, IPHAN. O CORETO É NOSSO!

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