Tiradentes, a maior vítima da devassa

18 de Abril de 2014
João de Carvalho

João de Carvalho

NA PARTE alta e central de Ouro Preto, de costas para o antigo palácio dos governadores e de frente para o Museu dos Inconfidentes, descortina-se a majestosa estátua do grande Mártir da Liberdade, próximo onde, outrora, ficou exposta para escárnio dos coevos, em um poste de ignomínia, a cabeça de Joaquim José da Silva Xavier, ensanguentada, permeada de sal grosso, trazida em saco, em lombo de burros, da capital da província de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Era ele filho do Reinol, modesto fazendeiro, Domingos da Silva Santos e da brasileira Antônia Maria da Encarnação. Órfão de mãe aos nove anos e de pai aos onze. Por tamanha desventura protegeu-se sob a tutela de um padrinho cirurgião. Com o tempo, tudo cresceu em sua vida, cujo destino, ainda que sombrio, foi a glória.

O maior espectro negro de uma sentença, pré-fabricada pela equipe julgadora de uma rainha louca, foi a da comutação de pena para todos, menos para Tiradentes! Por quê? A história está aí para contestar a ação desastrosa da representante da nobreza política do último decênio do século XVIII. Para o altar do sacrifício foi indicado após três anos de prisão, o ousado alferes do Regimento dos Dragões de Minas Gerais, comandante que fora de uma patrulha de ronda do mato, nas estradas dos tropeiros do “Caminho Novo”, à época!

NAS SUAS ANDANÇAS pela capital, tendo-se já destacado como tropeiro, minerador, mascate, militar, fora certamente o elemento ideal para o ativismo político, no final do século. No Rio, idealizara projetos para bondinhos no pão de açúcar e canalização de água dos rios Andaraí e Maracanã, para abastecimento ideal daquela que seria a primeira capital do Brasil. Não aprovaram! Por quê?

A cobiça reinol, após sua prisão, à Rua dos Latoeiros, hoje Gonçalves Dias, não teve piedade e muito menos clemência para com seu súbdito, arrastado à masmorra, cujo destino era o assassinato em praça pública. Na maior, mais bela, mais fascinante minimetrópole do Brasil Colônia. Mas, qual a causa do ideal revolucionário, cujo fato não se realizou, matando-se os sonhos de seus idealizadores, às vésperas do famoso dia do batizado?

A traição de Joaquim Silvério dos Reis, o Judas da Inconfidência Mineira, e, a odiosa derrama decretada pelo Visconde, em busca de cobrança de impostos atrasados, acumulados desde 1762, atingiu 538 arrobas de ouro. A situação da Capitania caíra na produção do cobiçado metal, aumentando-se as dívidas de Portugal com a Inglaterra. Em 1755, vítima de um grande maremoto, Lisboa desapareceu do mapa da Península Ibérica. Seu reerguimento exigiu grande soma, grandes empréstimos, criando-se fatais dívidas para os decênios vindouros.

A PENA, entretanto, veio para o Brasil Colônia, em cujas montanhas, especialmente as de Minas, principalmente da venturosa Vila Rica, onde se encontravam riquezas em seu subsolo, já cansado, mas capaz de oferecer recursos para o abastecimento do país descobridor da Terra de Santa Cruz. Precisou-se de um homem do povo que congregou em torno de sua palavra - embebida de ideais libertários - juiz, militar, advogado, padres, estudantes, mineradores e tropeiros, que arquitetaram a conjuração mineira, abortada, infelizmente, em seu embrião. Mas, o Mártir da Inconfidência, o herói nacional, o grande Patrono Cívico da Nação, ninguém destruirá, porque seu nome é Joaquim José da Silva Xavier, o mártir da Inconfidência!

A Praça Tiradentes, escreveu alguém, tem “cheiro de senhor e de escravo; de rico e de pobre; de conquistador e conquistados; de nobre e de plebeu; de brancos e de negros; de ouro e de pedra sabão; de reino e de colônia; de escravidão e de liberdade; de herói e de bandidos”, mas, sobretudo, de brasilidade.

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