Tortura psicológica coletiva VII

25 de Agosto de 2017
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Por bom tempo, até início dos anos 50, Cachoeira do Campo funcionou como polo das obras de abertura da nova estrada, ao abrigar um grande acampamento e ter nos limites do núcleo urbano a construção de duas pontes; pontes que hoje não existiriam, se a estrada tivesse seguido o projeto original.

Máquinas de construção rodoviária só foram empregadas depois ultrapassada a região de Cachoeira. Na época e, especialmente, para quem nunca havia uma máquina do gênero, eram verdadeiros mastodontes feitos de aço. O emprego dessas possantes máquinas deveu-se ao novo governador de Minas, Juscelino Kubitschek de Oliveira, que tomou posse em janeiro de 1951. Tendo energia e transporte (o então chamado binômio) como metas do seu governo, melhor não poderia ele fazer para demonstrar o quanto estava empenhado no cumprimento delas. Coube a máquinas das mais possantes e modernas, nas mãos dos primeiros profissionais da área, o rompimento do trecho final até a cidade de Ouro Preto. Pás, picaretas, carroças, burricos e o árduo trabalho daquela legião de trabalhadores, especializados ou não, foram deixados para trás. Crê-se ter sido o último capítulo da aventura das estradas feitas a mão!

Cabe aqui uma crítica quanto à entrada da estrada em Ouro Preto. Se o pessoal técnico tivesse dado atenção à conformação geológica da cidade, ela não teria entrado por onde entrou vindo seu trecho urbano a ser a Rua Padre Rolim. Estudos mais sérios teriam revelado a instabilidade do solo naquela região, desaconselhando-se, pois, qualquer intervenção junto às encostas. Deveria ter entrado pelo mesmo trajeto que, a partir de 1969, se faz o contorno de Ouro Preto. Teriam sido evitados vários e graves deslizamentos de terra, com sérios prejuízos materiais e perdas de vidas humanas. Está na memória de todos o mais grave deles, que destruiu, parcialmente, o terminal rodoviário, e matou dois profissionais do volante. A cidade não teria perdido também uma de suas relíquias, a Ponte Xavier (estrutura metálica), que se situava nas proximidades do local, onde hoje está localizado o terminal rodoviário. Em 1953, a estrada foi inaugurada, oficialmente, ocasião em que o governador JK, ao passar por Cachoeira do Campo, se viu forçado a descer do carro e se dirigir ao povo, que havia invadido a pista de cascalho. O episódio se deu no corte, que havia logo depois da Praça Coronel Ramos, sentido Belo Horizonte. Posteriormente, o local foi aplainado para dar lugar à praça onde se situa um posto de combustíveis. Parecia ter sido solucionada a ligação rodoviária OP/BH, mas não foi bem assim, pois a estrada ficava intransitável na estação das chuvas, obrigando viajantes a dormir dentro dos veículos, andar a pé no barro a alcançar o meio das canelas e passar fome. A situação calamitosa da estrada durante períodos de chuva constituiu-se em prato feito para os urubus políticos, que não rezavam pela mesma cartilha do governador. A estrada havia, mas fazer uso dela era o problema. Somente alguns anos mais tarde veio a pavimentação asfáltica, concluída em 1961; mesmo assim ainda ocorreram deslizamentos com impedimento da pista, mas, a partir de então, ficou mais fácil mantê-la em operação.

Federalizada a rodovia, a conexão viária de Cachoeira do Campo deixou para trás o tempo das incertezas, quando o simples deslocamento a Ouro Preto era ainda uma aventura. Quase à mesma época deu-se a desativação definitiva da Central do Brasil. Por ironia, a antiga ferrovia, cuja inauguração deu início à decadência econômica de Cachoeira do Campo, ao ser extinta (grave erro entre os muitos que empobrece o país) trouxe alento a uma revitalização com sinais de possível polo comercial regional, a se formar no antigo polo de tropeiros. É o benefício trazido pela rodovia, não se pode contestar! Ela dá mais visibilidade a Cachoeira, facilita o deslocamento para o trabalho em pontos mais afastados sem abrir mão de residir no local, propicia a abertura de negócios, valoriza imóveis, aproxima comunidades e pessoas.

Com a rodovia, Cachoeira saiu do isolamento, mas a população tem pagado preço alto em termos de insegurança ligada aos pontos de interferência com o tráfego urbano de veículos e de pedestres. As autoridades do setor só se preocupam com a pista asfáltica e consequente tráfego, não lhes interessando consequências da interferência em localidades por onde passa. Esse descaso pode ser proposital, porque do conflito entre o tráfego rodoviário e o tráfico local podem resultar multas a encher os cofres. Não é à toa que viaturas se postam, estrategicamente, em pontos urbanos, à espreita de condutores incautos, desconsiderando o fato de que condutores locais, os mais visados, estão em perímetro urbano.

E o serviço de apreensão de animais na pista, por onde anda? A comunidade local quer soluções e não mais tortura psicológica.

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