Traga o bônus e leve o ônus

02 de Setembro de 2011
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

“A corda arrebenta no lado mais fraco”! É o que diz a sabedoria popular e se constata a cada momento, em circunstâncias as mais diversas, especialmente se de um lado está o cidadão e do outro está o poder público. Em processos jurídicos, ações de desfecho líquido e certo em favor do cidadão se arrastam por anos, só porque os meios (a própria lei) de que dispõe o cidadão são manipulados para que não lhe sejam garantidos direitos, amplamente reconhecidos. Exemplo mais evidente de embromação da administração publica em relação aos direitos do cidadão é o chamado precatório, termo cujo significado é, geralmente, desconhecido do cidadão comum.

Trata-se de dívida contraída pelo Município, pelo Estado ou pela União que, depois de cobrada por todos os meios possíveis e não recebida, obtém da Justiça certificados de reconhecimento, obrigando o devedor a pagar. Teoricamente, o poder público tem de pagar; só que não paga. Na condição de caloteiro, o cidadão diz “devo, mas pago quando como puder”. A administração pública, na mesma condição, não diz, mas age como se dito: “devo, mas pago se quiser”. E não paga mesmo! Dívidas trabalhistas, frutos do suor de tantos trabalhadores, são convertidas em precatórios não pagos aos credores diretos, que morrem depois de muito esperar, deixando os créditos como herança não realizável nas mãos das respectivas viúvas e filhos. Quando em posição inversa, ou seja, o cidadão na condição de devedor, o poder público não perdoa e dele cobra, ainda que a dívida tenha sido contraída de forma involuntária e induzida por erro do credor.

Está na mídia o dilema vivido por oitenta e oito servidores municipais de Paraguassu, Sul de Minas, condenados a devolver adicional de insalubridade, recebido dos cofres públicos municipais no período de 1998 a 2002. De acordo com decisão da Justiça sobre ação proposta pelo Ministério Público Estadual, o adicional pago pela prefeitura era ilegal porque não havia lei municipal que autorizasse o pagamento. O dinheiro, recebido pelos servidores e gasto no devido tempo, não foi surrupiado do erário como ocorre em tantas outras situações, mas merecido pelos riscos na execução de tarefas perigosas, assim como o salário a que se tem direito pelo trabalho, só que não havia lei a amparar o pagamento.

A devolução do dinheiro é legal, exigível e obrigatória, mas não seria justa por parte de quem culpa não teve. Os servidores receberam em boa fé, sem sombra de dúvidas quanto à legalidade, fator inerente ao poder público de onde emanam leis e ordens para seu cumprimento. Pessoas simples, ligadas ao trabalho e às quais foge a compreensão de aspectos legais, não podiam imaginar que recebiam dinheiro sem respaldo na lei municipal. No lado de dentro do balcão, o prévio conhecimento das leis é parte das obrigações do agente público, o único culpado, no caso em questão. É bom frisar que, aqui, agente público não é somente o prefeito, que ordenou o pagamento, mas todos seus assessores diretamente ligados à questão, sobretudo o jurídico. E, fora do Executivo, parte da culpa recai sobre a Câmara Municipal, à qual cabe a função de legislar e de fiscalizar as ações do Executivo. Se os vereadores não legislaram sobre o assunto e a prefeitura estava a pagar o adicional, cabia-lhes o dever da denúncia e impedimento à continuidade do pagamento.

No desdobramento do imbróglio, a atual Câmara votou projeto de lei complementar, que concede anistia aos servidores, mas contra ela se insurge o secretário municipal de Planejamento com o argumento de que isso representaria renúncia de receita, não podendo o prefeito sancioná-la, pois assumiria a obrigação de pagar toda a dívida. Pergunta-se: que receita? Desde quando restituição aos cofres públicos é receita? O dinheiro cuja restituição é cobrada dos servidores já foi receita sob forma de tributos, taxas e outros emolumentos pagos à mesma prefeitura; converteu-se em despesa ilegal por incompetência, negligência, omissão, invigilância e despreparo dos diretamente responsáveis pela criação das leis, por seu cumprimento e pela administração da coisa pública. É interessante observar que a corrupção tem corrido solta em todo o país e, dificilmente, se vê pressão sobre os grandes corruptos para que estes devolvam recursos escamoteados dos cofres públicos. Para isso, políticos corruptos e seus apaniguados têm costas quentes! Na outra ponta, servidores municipais ficam ao desamparo da Justiça! A eles cabe o cumprimento da fria letra da lei, ainda que a culpa pese sobre ombros terceiros.

Para que se faça verdadeira Justiça nesse caso, há que conceder-se anistia aos servidores prejudicados, proceder a rigorosa apuração de responsabilidades e cobrar dos verdadeiros responsáveis pela ilegalidade, tanto no Executivo quanto no Legislativo, não importando se ainda ligados ou desligados do poder municipal. O povo elege governantes e representantes que, na assunção ao poder, deveriam estar conscientes do ônus da responsabilidade sobre seus ombros, sobretudo quando negligentes na observância da lei. Malandramente, só absorvem os bônus!

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