Transformações naturais e intervenções descabidas

17 de Novembro de 2017
Nylton Gomes Batista

Nylton Gomes Batista

Neste mundo, tudo se transforma, num instante ou ao longo dos anos, séculos e milênios, mas de forma inexorável. Por isso, nada a estranhar quanto à mudança de sentido de palavras com o passar do tempo. Há até aquelas que trocaram entre si o significado, passando cada uma a ter o significado original da outra.

É o caso de aquário e piscina. Originalmente, como a própria palavra sugere, aquário (do latim “aquarium”) era simplesmente depósito ou reservatório de água, enquanto que piscina, também originária do latim “piscina”, significava criadouro de peixes (piscis em latim). Armário é móvel destinado à guarda de objetos de qualquer natureza. Entretanto, a própria palavra parece sugerir utilidade específica para tal móvel, no passado distante. Não é sugestão, mas indicação de que, originalmente, era lugar reservado à guarda de armas. Interessante, neste caso, é que a troca de sentido ainda se deu no latim, de onde veio o português. Profeta, na antiguidade, tinha sentido diferente do registrado por modernos dicionários; pessoa que prediz acontecimentos, vidente, adivinho. Originalmente teria sentido filosófico, portador da luz do conhecimento que, sob a óptica da religião, seria inspirado por Deus. Daí, pode-se dizer que seu significado caiu do divino para a charlatanice!

A título de curiosidade cite-se que, no final do século dezenove, seu sentido original (portador da luz) era empregado, por extensão, a uma atividade laboriosa. Não sei dizer se em todas as cidades iluminadas por lampiões a gás, mas, em Ouro Preto, os servidores públicos encarregados do acendimento dos lampiões eram denominados “profetas”. Outra curiosidade: o chefe (parece-me que o último, antes da luz da elétrica) era Carlos Gabriel de Andrade (não confundir com o homônimo, seu bisneto, falecido há poucos anos) o Barão de Saramenha. Há registro de que ele teria sido casado com uma das netas da Marília, a musa do poeta e conjurado Thomaz Antônio Gonzaga.

Até, mais ou menos, a metade do século passado, bairros mais afastados das grandes cidades e cidades menores em sua circunvizinhança eram classificadas como subúrbios. Subúrbio significa, mais ou menos, além da cidade, ou urbe (em latim) o que faz o termo muito mais apropriado para a condição apresentada, ao contrário de periferia, originalmente usado para designar os limites da circunferência. Ao contrário dos casos anteriores, processados naturalmente, tudo indica ter sido feita a substituição de subúrbio por periferia sob pressão de natureza ideológica, assim como tem sido observado ultimamente, no uso de outros termos.

Favela, por exemplo, tem sido trocado por comunidade, substituição completamente sem sentido, pois favela é denominação dada a conjunto desordenado de moradias, destituído de serviços de urbanização, enquanto comunidade se refere a qualquer grupo humano, podendo apresentar características em comum ou não, residir no mesmo local ou não. Favela é a localidade e comunidade é o grupo humano que nela reside. Comunidade, tanto podem ser os residentes na favela quanto podem os residentes em condomínio de luxo! A troca de favela por comunidade revela ignorância, preconceito e incapacidade para reverter uma condição social! A primeira favela originou-se da iniciativa de grupo de ex-combatentes da Guerra de Canudos (contra Antônio Conselheiro, na Bahia). Ao retornar ao Rio de Janeiro, os soldados não teriam recebido do governo (sempre os políticos) casas prometidas como pagamento pelos seus serviços. Em represália, eles ocuparam um morro, onde construíram casebres, que passaram a usar como moradias. Como no local, onde combateram, havia uma leguminosa chamada favela (espécie de fava) foi dado o nome da planta ao conjunto por eles levantado. Portanto, favela não tem nada de pejorativo para seus habitantes, mas é uma nódoa, desde sua origem, na reputação dos políticos. A atual e crítica situação sociopolítica e econômica do Rio de Janeiro é a prova do aqui dito. Má atuação e omissão dos políticos estão na origem de todos os males sociais!

Como a degradação tem propagação mais rápida, o termo comunidade já tem sido empregado nesta região de forma equivocada, pela imprensa e pessoas com relação à tragédia que matou habitantes e destruiu a localidade de Bento Rodrigues, no município de Mariana. Em recente reportagem alusiva aos dois anos do triste acontecimento, criticou-se o fato de ainda não ter sido reconstruída a comunidade de Bento Rodrigues. Ó santa ignorância! Aquela comunidade está viva; está dispersa, deslocada, ainda aturdida, mas viva! Destruída foi a localidade; necessitada de reconstrução é a localidade e a comunidade, não só local, porém, nacional, clama por ela! Que se reconstrua a localidade de Bento Rodrigues para abrigo de sua laboriosa comunidade!

Por fim, destaque-se “récorde”, a grande bobagem inventada pela Rede Globo, não se sabe com que propósito. Em bom Português, o termo que significa “o que ultrapassa uma realização precedente” é “recorde” com acentuação tônica na sílaba “cor” e nenhuma acentuação gráfica. “Récorde” não existe na Língua Portuguesa, mas, tão somente nas cabeças-de-bagre da Rede Globo!

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