Você já comeu bolo abatumado?

03 de Junho de 2014
Jornal O Liberal

Jornal O Liberal

*Rodolfo Koeppel

Fui tomar um café numa bela padaria em Cachoeira do Campo. Ao comer um bonito e saboroso bolo de laranja que lá havia, lembrei-me de algumas coisas muito emotivas: antigamente, um momento de alegria para nós, crianças, e de tristeza para minha mãe, era o tal de bolo “abatumado” – sempre pensei que era “batumado”, depois alguém disse “embatumado”... Agora aprendi...

Se você foi criança no século passado – nesta eu fui profundo, não? – certamente já se deliciou com isto. Minha mãe, com suas origens alemãs / gaúchas, era uma cozinheira de mão cheia. Os bolos então, era o que havia de melhor. E todo sábado se fazia bolos. De banana, de laranja, de “streuzel”, de nozes, de castanhas. E... Oh! Como eram bons! ... Sentávamo-nos à mesa, com uma xícara de café com leite e nos deliciávamos. Eram momentos felizes.

Mas mesmo para uma “pilota de fogão” (lembra “presidenta”?) de primeira linha, as vezes o processo dava “chabú”. Sabe como é, não? Você solta um rojão, esperando uma explosão e ele faz “pifft...”. Em vez de aparecer um bolo bonito, alguém abria o forno antes, e o bolo abatia. Ficava achatado. Portanto, não poderia ser servido na mesa. Imagine se algum visitante visse isto? Seria o descrédito de décadas “bolíferas” bem sucedidas, a serem perdidas numa única tarde...

Tristeza de um, alegria de outros! O bolo abatumado ficava mais úmido, pois não chegara ao final o processo de cozimento. Ficava mais doce. E melhor, era todo nosso. Você já comeu um bolo que era para 12 pessoas repartindo ele inteiro entre você e sua irmã? Se não fez isto, sinto informá-lo: (a) você perdeu uma das melhores coisas da vida (b) não vai ser possível experimentar agora, pois, hoje, bolo nenhum abatuma mais.... Veja por que este fenômeno gostoso não acontece mais.

Na época dos bolos abatumados, a grande alegria era o fim de uma festa de aniversário, onde a dona da festa fazia questão de oferecer-lhe um pedação do bolo de festas, para que você lembrasse da festa por alguns dias. E você, ao chegar em casa, anunciava: “Trouxe um pedação de bolo... Está uma delícia! Os bolos da Vovó são muito especiais... Ninguém come nem um pedacinho sem minha autorização!”.

Em Minas, ainda sobram alguns resquícios deste período. Alguns mencionam que prazer é comer uma “queca” – os ingleses faziam “cakes”. Daí talvez também tenha vindo o nosso “Uai” (Why?). Uma “queca” é um bolo simples, feito por gente simples, para gente simples. Mas com sabor dos deuses... “Once for all”, diziam os ingleses. Comeu uma vez só, e você nunca mais esquece.

Você sabe que, hoje, o mundo melhorou muito. Não tem mais bolo “abatumado” mas continua, (in)felizmente, o hábito de oferecer bolo ao final de festas. Isto gera comportamentos estranhos, por três motivos:

  1. Fazer um bolo? Só se sua mãe for maluca... Quem vai fazer bolo? Muito mais prático comprar um... Pode ser até de uns dias atrás, os preparados químicos garantem que você não vai passar mal comendo um bolo “passado”. Isto é, você não vai passar mal agora. Mas vai morrer de câncer mais cedo. Os bolos hoje tem nomes esotéricos e aparência mais ainda. Nada de um bolinho simples. Você demonstra sua situação social através de um bolo...

  2. Ninguém, mas ninguém mesmo, seria louco para desafiar a Nestlé ou o Pastifício Vilma. Eles fazem uma excelente massa para bolos. Seja bolo de coco, de laranja, de banana, de chocolate, usando este preparado você logo tem um bolo muito bonito e que tem um sabor universal, único: Insonso!

  3. Ao final da festa, a “hostess de preto” (Mistério moderno: é uma festa infantil, mas a moçoila está de preto-chique... Não deveria ser uma roupa colorida?) insiste para que você leve “só um pedacinho” do bolo. Apenas um “pedacinho” por que são “apenas 500 convidados” na “festinha” de um ano do Júnior e todos têm direito. Mas você, educadamente, recusa. Não por que tenha respeito com os outros 499 convidados. Mas por que sabe a gororoba que está ali: no mínimo incentivando diabetes e/ou uns quilos a mais. A “hostess” que se lixe, que coma o bolo inteiro... Coisas ruins já temos que chega... E ainda tem quem pague por elas...

Hoje ganhei da Norma e da Nele, moradoras em Cachoeira do Campo, mas nascidas em Glaura, um pudim de pão. Há anos não comia um. E tão bom assim, acho que nunca comi. São estes os quitutes que a gente nunca esquece. Em Ouro Preto tem muitos! Querendo ser moderno, eu ia colocar neste texto uma foto do pudim, e seria uma coisa bonita, o pudim saindo do forno... Você só poderia comer uma fatia, pois eu poderia chegar atrasado... e iria querer também! Mas não seria legal. Pois, ao vivo, com perfume e com sabor, é sempre melhor. Pena que já comi...

*Rodolfo Koeppel escreve no Jornal O LIBERAL, de Ouro Preto e está organizando o programa TOP – Trilhas de Ouro Preto (trilhasdeouropreto.org). Aceita convites para provar quitutes em Ouro Preto...

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